Patrística 176 d.C 180 d.C

Sobre a Ressurreição dos Mortos

Por: Atenágoras de Atenas (Church_father)
A obra “Sobre a Ressurreição dos Mortos”, de Atenágoras de Atenas, é um tratado do século II que defende a ressurreição universal. Com argumentos filosóficos e teológicos, mostra a justiça divina, a dignidade do homem e a necessidade da união de corpo e alma para o juízo final.

Conteúdo da Obra

Capítulo 1 — A Defesa da Verdade Deve Preceder as Discussões Sobre Ela

Ao lado de toda opinião e doutrina que concorda com a verdade das coisas, sempre surge algum falso ensinamento. Isso não ocorre porque derive naturalmente de algum princípio fundamental, ou de alguma causa própria do assunto em questão, mas porque é inventado de propósito por homens que prezam a semente espúria, pela sua tendência de corromper a verdade.

Isso se vê, em primeiro lugar, naqueles que em tempos passados se dedicaram a tais investigações, e em sua falta de concordância com predecessores e contemporâneos, e, não menos, na própria confusão que marca as discussões de agora. Pois tais homens não deixaram livre de seus ataques caluniosos nenhuma verdade — nem o ser de Deus, nem Seu conhecimento, nem Suas obras, nem aqueles livros que, seguindo uma sequência rigorosa e ordenada, nos apresentam as doutrinas da piedade.

Ao contrário, alguns deles rejeitam de vez e em desespero a verdade sobre tais coisas; outros a distorcem para adequá-la às suas próprias ideias; e outros, de propósito, chegam a duvidar até mesmo daquilo que é evidentemente claro.

Por isso, penso que os que se dedicam a tais assuntos devem adotar dois caminhos de argumentação: um em defesa da verdade, outro acerca da verdade. O primeiro, destinado aos descrentes e aos que duvidam; o segundo, para os que são sinceros e recebem a verdade com prontidão.

Assim, convém a quem deseja investigar tais matérias considerar o que cada situação exige, e ordenar sua exposição conforme a conveniência; sem, pelo desejo de parecer seguir sempre o mesmo método, desconsiderar a ordem própria de cada tema.

Pois, quanto à prova e à ordem natural, os discursos sobre a verdade têm precedência sobre os que a defendem. Mas, quanto à utilidade, é necessário inverter: primeiro, argumentos em defesa; depois, os acerca da verdade.

O agricultor não pode lançar a boa semente na terra sem antes arrancar o mato e o que prejudicaria a colheita. O médico não introduz remédio saudável no corpo, sem antes remover ou deter a enfermidade.

Assim também quem deseja ensinar a verdade não pode persuadir ninguém, enquanto uma falsa opinião permanecer escondida na mente e impedir a entrada de seus argumentos.

Por isso, visando maior proveito, às vezes coloco antes os argumentos em defesa da verdade; e, neste caso, considero útil proceder assim no tratamento da ressurreição. Pois, quanto a esse tema, alguns não acreditam de modo algum; outros duvidam; e mesmo entre os que aceitaram os princípios iniciais, alguns se confundem, como os que ainda duvidam. O mais espantoso é que estão nesse estado sem qualquer fundamento real para a incredulidade, nem conseguem indicar causa razoável para descrer ou hesitar.

Capítulo 2 — A Ressurreição Não é Impossível

Consideremos então o assunto segundo este método. Se toda incredulidade não procede de leviandade ou descuido, mas nasce em algumas mentes de fortes razões e da certeza própria da verdade, é aceitável. Pois então parece justa, quando o objeto da descrença parece indigno de fé.

Mas não crer em coisas que não merecem descrença é agir sem juízo acerca da verdade.

Assim, os que duvidam ou não creem na ressurreição devem formar seu juízo não a partir de uma opinião apressada, nem do que agrada a homens dissolutos, mas ou negar que o homem tenha causa alguma de origem — o que é refutado com facilidade —, ou, atribuindo a causa de todas as coisas a Deus, considerar firmemente este princípio e, a partir dele, mostrar que a ressurreição é indigna de crédito.

Conseguirão isso, se provarem que é impossível a Deus, ou contrário à Sua vontade, reunir novamente corpos mortos, mesmo dissolvidos em seus elementos, de modo a restituir as mesmas pessoas.

Se não podem fazê-lo, cessem dessa incredulidade ímpia, e dessa blasfêmia contra as coisas sagradas. Pois não dizem a verdade quando afirmam que é impossível ou contrário à vontade divina, como ficará claro pelo que vou expor.

De fato, dizemos que algo é impossível a alguém quando é da ordem do que ele não sabe como fazer, ou do que lhe falta poder suficiente para realizar. Quem ignora o que precisa ser feito é incapaz de tentar ou realizar. E quem sabe o que deve ser feito, e por quais meios, mas não tem poder, ou não tem poder suficiente, se for sensato, nem tentará; e se tentar sem refletir, não logrará êxito.

Mas não é possível que Deus seja ignorante, nem da natureza dos corpos que devem ser ressuscitados, quanto aos membros inteiros e às partículas de que se compõem, nem do destino de cada uma das partículas dissolvidas, e nem de qual elemento recebeu o que foi dissolvido e se uniu àquilo com que tinha afinidade.

Ainda que aos homens pareça impossível separar novamente aquilo que se misturou ao universo segundo sua natureza, não o é para Ele. Pois Aquele a quem, antes mesmo de dar forma a cada corpo, não estavam ocultos nem a natureza dos elementos, nem as partes de que tomaria o que julgava adequado para formar o corpo humano, também, após a dissolução, não ignorará para onde foi cada partícula usada na construção de cada um.

De fato, em relação à ordem atual das coisas e ao nosso julgamento, é maior saber de antemão o que ainda não veio a existir. Mas em relação à majestade e sabedoria de Deus, ambos estão na ordem da natureza: conhecer de antemão o que ainda não existe, e conhecer o que foi dissolvido.

Capítulo 3 — Aquele que Pôde Criar, Também Pode Ressuscitar os Mortos

Além disso, que o Seu poder é suficiente para ressuscitar os corpos mortos, prova-se pela criação desses mesmos corpos. Pois, se quando eles ainda não existiam, Ele, em sua primeira formação, fez os corpos dos homens e seus elementos originais, também, quando forem dissolvidos — de qualquer modo que isso aconteça — Ele os levantará novamente com igual facilidade; pois isso também Lhe é igualmente possível.

E não prejudica o argumento o fato de alguns suporem que os primeiros princípios vêm da matéria, ou que os corpos dos homens derivam ao menos dos elementos como matéria inicial, ou da semente. Pois o mesmo poder que pôde dar forma ao que consideram matéria informe, e adorná-la, quando carente de ordem e figura, com muitas e diversas formas; reunir em um só corpo as partes dispersas dos elementos; dividir a semente, que era una e simples, em muitas; organizar o que era desorganizado; e dar vida ao que não tinha vida — esse mesmo poder pode reunir o que foi dissolvido, levantar o que está prostrado, restaurar os mortos à vida e transformar o corruptível em incorruptibilidade.

E a esse mesmo Ser pertence também, pela mesma força e sabedoria, separar aquilo que foi dividido e distribuído entre uma multidão de animais de todas as espécies, que costumam se alimentar de tais corpos e saciar neles o apetite, separar, digo, e reunir novamente com os membros próprios e as partes de que participavam — quer tenha passado para um só desses animais, quer para muitos, quer destes ainda para outros, ou, depois de dissolvido junto deles, tenha voltado aos elementos originais, resolvido neles segundo a lei natural. Este é um ponto que pareceu confundir excessivamente alguns, até mesmo entre os admirados por sua sabedoria, que — não sei por que — julgaram dignas de atenção séria essas dúvidas levantadas pela multidão.

Capítulo 4 — Objeção a Partir do Fato de Alguns Corpos Humanos Tornarem-se Parte de Outros

Esses homens, com efeito, afirmam que muitos corpos daqueles que tiveram morte infeliz em naufrágios ou rios se tornaram alimento de peixes; e que muitos dos que pereceram em guerras, ou que por outras causas tristes foram privados de sepultura, jazem expostos, tornando-se pasto de animais que por acaso se deparam com eles.

Assim, dizem, os corpos são consumidos, seus membros e partes são fragmentados e distribuídos entre uma multidão de animais, e, por meio da nutrição, se incorporam aos corpos dos que deles se alimentam.

Por isso, alegam primeiro que sua separação é impossível. E, além disso, acrescentam um ponto ainda mais difícil: quando animais próprios para alimento humano, que se nutriram de corpos de homens, passam pelo estômago e se incorporam aos que deles participam, é uma necessidade absoluta, dizem, que as partes dos corpos humanos, que serviram de alimento aos animais, passem a outros corpos humanos, pois os animais, nutridos por eles, transmitem o alimento recebido àqueles de quem se tornam alimento.

Depois, acrescentam tragicamente os casos de filhos devorados em fome e loucura; crianças comidas pelos próprios pais por maquinação dos inimigos; o célebre banquete dos Medos; o trágico festim de Tiestes; e ainda outros fatos inauditos ocorridos entre gregos e bárbaros.

A partir disso, concluem, segundo pensam, a impossibilidade da ressurreição, sustentando que as mesmas partes não podem ressurgir em um corpo e em outro ao mesmo tempo: ou porque os corpos dos primeiros possuidores não podem ser reconstituídos, tendo suas partes passado a outros, ou porque, restauradas aos primeiros, os corpos dos últimos ficarão incompletos.

Capítulo 5 — Referência aos Processos de Digestão e Nutrição

Mas parece-me que tais homens, antes de tudo, ignoram o poder e a sabedoria d’Aquele que formou e governa este universo. Ele adaptou à natureza e espécie de cada animal o alimento que lhe é próprio e correspondente, e não determinou que tudo na natureza devesse unir-se e combinar-se com qualquer tipo de corpo. Tampouco Lhe falta poder para separar o que foi unido, pois concede à natureza de cada criatura fazer ou sofrer o que lhe é naturalmente adequado, e, além disso, às vezes impede, permite ou proíbe o que Ele deseja, para o fim que deseja.

Além disso, não consideraram o poder e a natureza de cada criatura que se alimenta ou é alimento. Caso contrário, saberiam que nem tudo o que é ingerido pela necessidade exterior se torna alimento adequado ao animal. Muitas coisas, logo ao entrar em contato com as pregas do estômago, corrompem-se e costumam ser vomitadas ou eliminadas de outro modo, de forma que nem por pouco tempo sofrem a primeira e natural digestão, muito menos se incorporam ao que deve ser nutrido.

Do mesmo modo, nem tudo o que foi digerido no estômago e sofreu a primeira transformação chega às partes que devem ser nutridas. Pois parte perde a capacidade nutritiva ainda no estômago; parte, durante a segunda transformação, quando a digestão realizada no fígado separa e conduz para outra substância destituída do poder de nutrir.

Além disso, nem toda mudança que ocorre no fígado resulta em alimento para o homem, mas a matéria transformada se separa como resíduo, segundo sua finalidade natural. E o próprio alimento que permanece nos membros e partes que devem ser nutridos, às vezes se transforma em outra coisa, conforme predomine o que está em maior ou menor quantidade, corrompendo ou assimilando aquilo que se aproxima dele.

Capítulo 6 — Tudo o que é Inútil ou Nocivo é Rejeitado

Uma vez que há grande diferença de natureza entre todos os animais, e que o próprio alimento, conforme a natureza, varia segundo a espécie e o corpo que é nutrido; e, como em todo processo de nutrição ocorre uma tríplice purificação e separação, segue-se que tudo o que é alheio ao alimento do animal deve ser totalmente destruído e conduzido ao seu lugar natural, ou transformado em outra coisa, visto que não pode unir-se a ele.

O poder do alimento deve ser adequado à natureza do animal a ser nutrido, em harmonia com suas forças; e, quando tiver passado pelos filtros estabelecidos para esse fim, e tiver sido completamente purificado pelos meios naturais de purificação, deve tornar-se um acréscimo verdadeiro à substância — a única coisa, na verdade, que alguém, chamando as coisas pelos nomes próprios, poderia chamar de alimento. Pois ele rejeita tudo o que é estranho e nocivo à constituição do animal nutrido, bem como aquela massa de comida supérflua introduzida apenas para encher o estômago e satisfazer o apetite.

Esse alimento, ninguém pode duvidar, torna-se incorporado ao corpo nutrido, entrelaçando-se e misturando-se com todos os membros e partes dos membros. Já o que é diferente e contrário à natureza corrompe-se rapidamente quando entra em contato com uma força superior, ou facilmente destrói o que é vencido por ele, e se transforma em humores nocivos e qualidades venenosas, por não produzir nada semelhante ou amigo do corpo que deve ser nutrido.

É prova evidente disso que, em muitos animais, surgem dor, doença ou morte, quando, por causa de um apetite excessivo, ingerem junto com o alimento algo venenoso e contrário à natureza; o que, por certo, tende à completa destruição do corpo nutrido, já que o que é nutrido o é por substâncias afins à sua natureza, mas é destruído pelas de espécie contrária.

Se, portanto, conforme a diferente natureza dos animais, lhes são dados alimentos próprios a cada um, e nada do que o animal ingeriu — nem mesmo uma parte acidental disso — pode misturar-se com o corpo nutrido, mas somente a parte que foi purificada por digestão completa, transformada inteiramente e adaptada aos membros que devem receber nutrição, é muito claro que nada do que é contrário à natureza pode unir-se a esses corpos para os quais não é um alimento adequado.

Ao contrário, ou é expulso pelos intestinos antes de produzir outro humor cru e corrompido; ou, se permanece mais tempo, causa sofrimento ou doença difícil de curar, destruindo ao mesmo tempo o alimento natural ou até mesmo a própria carne que precisa ser sustentada. E, ainda que seja finalmente expulso, vencido por certos remédios, ou por melhor alimento, ou pelas próprias forças naturais, não se livra sem causar grande dano, pois não tem nenhuma afinidade com o que é natural, já que não pode unir-se à natureza.

Capítulo 7 — O Corpo da Ressurreição é Diferente do Presente

Mas, suponhamos que concedamos que o alimento vindo dessas coisas — assim o chamemos, conforme o modo comum de falar —, ainda que contrário à natureza, é, no entanto, separado e transformado em alguma das substâncias úmidas ou secas, quentes ou frias que o corpo contém; mesmo assim, os adversários nada ganham com essa concessão.

Pois os corpos que ressuscitam são reconstituídos a partir das partes que propriamente lhes pertencem, ao passo que nenhuma das coisas mencionadas é tal parte, nem possui a forma ou o lugar de uma parte. Não permanece sempre com os membros do corpo nutrido, nem ressuscita com as partes que ressuscitam, já que nem sangue, nem fleuma, nem bílis, nem sopro contribuem para a vida.

Do mesmo modo, os corpos ressuscitados não terão necessidade daquilo que outrora necessitavam, pois, junto com a corrupção e a necessidade do corpo nutrido, desaparece também a necessidade das coisas pelas quais era sustentado.

Além disso, ainda que admitíssemos que a transformação vinda de tal alimento chegue até a carne, nem por isso haveria necessidade de que essa carne, recentemente modificada por tal alimento, se tivesse passado ao corpo de outro homem, devesse novamente contribuir como parte para a formação desse corpo. Pois nem a carne que o absorve retém sempre o que absorve, nem a carne assim incorporada permanece sempre junto daquilo a que foi acrescentada. Ela está sujeita a muitas mudanças: ora se dispersa pelo trabalho e pelas preocupações; ora se consome pela dor, pelo sofrimento ou pela doença; ou ainda pelos males que nascem do excesso de calor ou de frio, quando os humores mudados com a carne e a gordura não recebem o alimento de modo a permanecer o que eram.

E como tais são as mudanças a que a carne está sujeita, veríamos que a carne nutrida por alimento impróprio as sofre em grau ainda maior: ora incha e engorda pelo que recebeu; ora rejeita o mesmo de algum modo e diminui de volume, por uma ou mais das causas já mencionadas.

Assim, apenas aquilo permanece nas partes que é apto para unir, cobrir ou aquecer a carne escolhida pela natureza, e que adere às partes pelas quais sustenta a vida natural e cumpre os trabalhos dessa vida.

Portanto, seja qual for o julgamento dessa investigação, seja qual for a concessão feita às objeções, em nenhum dos casos pode-se provar a veracidade das afirmações dos adversários. Pois os corpos humanos nunca podem combinar-se com outros de mesma natureza, quer por ignorância ou engano tenham alguns se alimentado de tais corpos, quer de livre vontade, impelidos pela necessidade ou pela loucura, tenham manchado a si mesmos com o corpo de outro homem.

Pois sabemos muito bem que certos brutos têm forma humana, ou uma natureza composta de homem e animal, como costumam representar os mais ousados dos poetas.

Capítulo 8 — A Carne Humana Não é Alimento Próprio ou Natural para os Homens

Mas, que necessidade há de falar dos corpos que não foram destinados para alimento de nenhum animal, sendo reservados apenas para o sepultamento na terra em honra da natureza, já que o Criador do mundo não destinou nenhum animal como alimento para os da mesma espécie, embora alguns de espécie diferente sirvam de alimento conforme a natureza?

Se, de fato, pudessem mostrar que a carne humana foi destinada ao homem como alimento, nada impediria que, conforme a natureza, se devorassem uns aos outros, como qualquer outra coisa permitida pela natureza. E nada impediria também aqueles que ousam dizer tais coisas de se banquetearem com os corpos de seus amigos mais queridos como iguarias especiais, apropriadas a eles, e até mesmo oferecerem aos amigos vivos a mesma refeição.

Mas, se é ilícito até falar disso; se comer carne humana é algo odioso e abominável, mais detestável que qualquer outro alimento ou ato ilícito e contrário à natureza; e se o que é contra a natureza jamais pode converter-se em alimento para os membros e partes que precisam dele, e o que não se converte em alimento jamais pode unir-se àquilo para o qual não é apto a nutrir — então, de modo algum os corpos humanos podem combinar-se com corpos semelhantes a si mesmos.

Ainda que, por alguma infelicidade extrema, passassem muitas vezes pelo estômago de outros, seriam afastados da ação nutritiva e retornariam novamente às partes do universo de onde tiveram sua origem, ali permanecendo pelo tempo que couber a cada um. E, separados dali pela sabedoria e poder d’Aquele que fixou a natureza de cada animal e lhe deu suas forças próprias, seriam novamente unidos de modo adequado, cada parte à sua correspondente — quer tenham sido consumidos pelo fogo, ou apodrecido na água, ou devorados por feras ou por outros animais, ou separados do corpo inteiro e dissolvidos antes das demais partes.

Assim, reunidos de novo entre si, ocuparão o mesmo lugar para a exata construção e formação do mesmo corpo, para a ressurreição e vida daquele que estava morto ou mesmo inteiramente dissolvido.

Mas prolongar mais esse assunto não é conveniente, pois todos os homens concordam nesse juízo — pelo menos os que não são meio brutos.

Capítulo 9 — Absurdo de Argumentar a Partir da Impotência Humana

Como há muitas coisas de maior importância para a questão em exame, peço ser dispensado de responder por ora aos que se refugiam nos trabalhos dos homens, e até mesmo nos que os constroem, que não são capazes de refazer obras suas que se quebraram, ou se gastaram com o tempo, ou foram destruídas de outro modo, e que, a partir da analogia de oleiros e carpinteiros, procuram mostrar que Deus nem pode querer, nem, se quisesse, poderia ressuscitar um corpo morto ou dissolvido.

Esses não percebem que, por tal raciocínio, oferecem o maior insulto a Deus, equiparando coisas totalmente diferentes e comparando obras de arte com obras da natureza.

Dar atenção séria a tais argumentos não mereceria senão censura, pois é realmente tolice responder a objeções superficiais e frívolas.

É certamente muito mais razoável, ou antes, absolutamente verdadeiro, afirmar que o que é impossível para os homens é possível para Deus.

E, se por essa afirmação em si, e por toda a investigação feita até aqui, a razão mostra que é possível, fica claro que não é impossível — nem tampouco algo que Deus não possa querer.

Capítulo 10 — Não se Pode Provar que Deus Não Quer a Ressurreição

Aquilo que não está de acordo com a vontade de Deus é assim ou por ser injusto, ou por ser indigno d’Ele. A injustiça, por sua vez, refere-se ou ao homem que deve ressurgir, ou a outro.

Mas é evidente que nenhum dos seres exteriores ao homem, que pertencem às coisas existentes, é prejudicado. As naturezas espirituais (νοηταὶ φύσεις) não podem ser lesadas pela ressurreição dos homens, pois ela não impede sua existência, nem lhes causa perda ou violência.

Tampouco a natureza dos seres irracionais ou inanimados sofre dano, pois não terão existência após a ressurreição, e não há injustiça contra o que não existe. Mesmo que alguém supusesse que existam para sempre, não sofreriam dano pela renovação dos corpos humanos. Pois se agora, ao servirem à natureza dos homens e a suas necessidades enquanto carecem deles, suportam toda sujeição e trabalho sem sofrer injustiça, muito mais, quando os homens se tornarem imortais e livres da necessidade, não precisando mais de seus serviços, e quando também eles próprios forem libertos da servidão, não sofrerão injustiça.

Se tivessem voz, não acusariam o Criador de injustiça por tê-los feito inferiores ao homem, porque não compartilham da mesma ressurreição. Pois o Ser Justo não dá o mesmo fim a criaturas de natureza diferente. E, além disso, seres que não têm noção de justiça não podem reclamar de injustiça.

Também não se pode dizer que haja injustiça em relação ao homem que há de ressuscitar. Pois ele é composto de alma e corpo, e não sofre injustiça nem quanto à alma nem quanto ao corpo.

Ninguém em seu juízo afirmará que a alma sofre injustiça, pois, falando assim, estaria ao mesmo tempo criticando a vida presente. Pois, se agora, habitando em um corpo sujeito à corrupção e ao sofrimento, não sofreu injustiça, muito menos sofrerá quando viver unida a um corpo livre da corrupção e do sofrimento.

O corpo, da mesma forma, não sofre injustiça. Pois, se não sofre injustiça agora, unido o corruptível ao incorruptível, manifestamente não sofrerá quando unido o incorruptível ao incorruptível.

Tampouco se pode dizer que seria indigno de Deus ressuscitar e reunir um corpo dissolvido. Pois, se não foi indigno d’Ele criar o pior — isto é, o corpo sujeito à corrupção e ao sofrimento —, muito menos será indigno criar o melhor: um corpo livre da corrupção e do sofrimento.

Capítulo 11 — Recapitulação

Se, portanto, por meio do que é naturalmente primeiro e do que dele decorre, cada um dos pontos investigados foi demonstrado, é evidente que a ressurreição dos corpos dissolvidos é obra que o Criador pode realizar, e pode querer, e que é digna d’Ele. Pois, por estas considerações, mostrou-se a falsidade da opinião contrária e o absurdo da posição dos descrentes.

Por que deveria eu falar da correspondência de cada coisa com as demais, e de sua conexão mútua? Se, de fato, devemos usar a palavra “conexão”, como se houvesse diferença de natureza que as separasse, e não dizer antes que o que Deus pode fazer também pode querer, e o que Deus pode querer é perfeitamente possível a Ele realizar, e que isso está de acordo com a dignidade d’Aquele que o quer.

Que discursar sobre a verdade é uma coisa, e discursar em defesa dela é outra, já foi suficientemente explicado nas observações anteriores, assim como em que diferem e em que circunstâncias cada um é útil. Mas talvez não haja motivo para que, visando maior certeza geral e por causa da conexão do que já foi dito com o que resta, não retomemos desses mesmos pontos e dos que lhes são aliados.

A um tipo de argumento pertence naturalmente ocupar o primeiro lugar; ao outro, vir em seguida, preparando o caminho e removendo o que obstrui ou resiste. O discurso acerca da verdade ocupa o primeiro lugar, seja em natureza, ordem ou utilidade: em natureza, porque fornece o conhecimento do assunto; em ordem, porque se encontra junto daquilo que nos informa; em utilidade, porque garante certeza e segurança aos que o conhecem.

O discurso em defesa da verdade é inferior em natureza e força, pois a refutação do erro é menos importante que o estabelecimento da verdade; e é secundário em ordem, pois se volta contra os que sustentam opiniões falsas, e tais opiniões são um crescimento posterior, vindo de outra semente e de degeneração.

Contudo, apesar disso, muitas vezes é colocado primeiro, e por vezes mostra-se mais útil, porque remove e dissipa de antemão a incredulidade que perturba algumas mentes, e a dúvida ou falsa opinião daqueles que se aproximaram recentemente.

Ainda assim, ambos se referem ao mesmo fim, pois tanto a refutação do erro quanto o estabelecimento da verdade têm por objetivo a piedade. Não que sejam absolutamente idênticos, mas um é necessário, como disse, a todos os que creem e se preocupam com a verdade e a própria salvação; o outro é mais útil em certas ocasiões, com certas pessoas e em determinados contextos.

Assim, feita esta recapitulação para recordar o que já foi exposto, devemos agora avançar para o que nos propusemos: mostrar a verdade da doutrina da ressurreição, tanto a partir da causa mesma — em vista da qual e por causa da qual o primeiro homem e sua descendência foram criados, embora não tenham vindo à existência do mesmo modo —, como também a partir da natureza comum de todos os homens enquanto homens. E, além disso, a partir do julgamento de seu Criador sobre eles, segundo o tempo que cada um viveu e segundo as regras pelas quais conduziu sua vida — julgamento que ninguém pode duvidar que será justo.

Capítulo 12 — Argumento a Favor da Ressurreição a Partir do Fim Contemplado na Criação do Homem

O argumento tomado da causa aparece se considerarmos se o homem foi feito ao acaso e em vão, ou para algum fim; e, sendo para um fim, se foi apenas para viver e permanecer na condição natural em que foi criado, ou para servir de uso a outro; e, se para uso, se para o Criador mesmo, ou para algum dos seres que Lhe pertencem e que Ele julga dignos de maior cuidado.

Ora, se considerarmos de modo geral, vemos que um homem em seu juízo, movido por decisão racional, nada faz em vão do que faz intencionalmente, mas o faz ou para seu próprio uso, ou para o uso de outrem por quem se importa, ou pelo próprio trabalho em si, movido por inclinação e afeição naturais para sua produção.

Por exemplo: um homem constrói uma casa para sua própria morada, mas para o gado, camelos e outros animais de que necessita, faz o abrigo adequado a cada um deles; não para seu uso direto, se olharmos apenas para a aparência, mas, em vista do fim, sim, por preocupação com aqueles de quem cuida. Ele tem filhos também, não para seu uso próprio, nem por causa de outra coisa que possua, mas para que os que dele nascerem existam e continuem o máximo possível, consolando-se, pela sucessão de filhos e netos, diante do fim da própria vida, e esperando, assim, imortalizar o mortal. Assim procedem os homens.

Mas Deus não poderia ter feito o homem em vão, pois é sábio, e nenhuma obra da sabedoria é vã; nem o fez para Seu próprio uso, pois não carece de nada. A um Ser absolutamente sem necessidade, nenhuma de Suas obras pode acrescentar algo para Si mesmo.

Nem, novamente, fez o homem por causa de alguma das outras obras que criou. Pois nada que possua razão e juízo foi ou é criado para o uso de outro, seja maior ou menor do que si, mas para o bem da vida e da permanência do próprio ser criado.

De fato, a razão não pode descobrir nenhuma utilidade que fosse causa da criação dos homens. Pois os seres imortais não têm carência, não necessitam de ajuda dos homens para existir; e os irracionais estão naturalmente sujeitos, e realizam os serviços para os quais cada um deles foi destinado, mas não foram feitos para, por sua vez, fazer uso dos homens. Pois não era nem é justo submeter o que governa e guia ao uso do que lhe é inferior, nem sujeitar o racional ao irracional, o qual não é apto para governar.

Portanto, se o homem não foi criado sem causa e em vão (pois nenhuma obra de Deus é vã quanto ao fim de seu Criador), nem para o uso do Criador, nem de alguma de Suas criaturas, é claro que, ainda que, em um primeiro sentido, possamos dizer que Deus fez o homem para Si mesmo — em conformidade com a bondade e sabedoria que se manifestam em toda a criação —, contudo, no sentido mais direto quanto aos seres criados, Ele o fez para a vida deles mesmos, uma vida que não é acesa por pouco tempo para logo se apagar.

Para os répteis, aves e peixes, ou, de modo geral, para todos os irracionais, Deus deu vida desse tipo; mas àqueles que trazem em si a imagem do próprio Criador, dotados de entendimento e de juízo racional, o Criador concedeu duração perpétua, a fim de que, reconhecendo o próprio Autor e Sua sabedoria e poder, e obedecendo à lei e à justiça, passem toda a sua existência livres do sofrimento, possuindo os bens que, de modo virtuoso, sustentaram em sua vida anterior, embora habitassem corpos corruptíveis e terrenos.

Pois tudo o que foi criado por causa de outra coisa, quando deixa de existir aquilo por causa do qual foi feito, também cessa de existir, para não permanecer em vão — já que, entre as obras de Deus, não há lugar para o inútil. Mas aquilo que foi criado para o fim de existir e viver uma vida conforme sua natureza, tendo sua causa unida à própria natureza e só se reconhecendo em relação à existência mesma, nunca pode admitir qualquer causa que o aniquile totalmente.

Ora, como essa causa se vê na existência perpétua, o ser assim criado deve ser preservado para sempre, realizando e experimentando o que é adequado à sua natureza, cada uma das duas partes de que é composto contribuindo com o que lhe pertence: a alma permanecendo sem mudança na natureza em que foi feita e cumprindo suas funções próprias — como governar os impulsos do corpo, julgar e medir o que ocorre conforme padrões e critérios justos —; e o corpo sendo movido segundo sua natureza para seus fins próprios, sofrendo as mudanças a ele destinadas, entre as quais (referentes à idade, aparência ou tamanho) está a ressurreição.

Pois a ressurreição é uma forma de mudança, a última de todas, e uma mudança para melhor daquilo que ainda subsistir naquele tempo.

Capítulo 13 — Continuação do Argumento

Confiantes nessas coisas, não menos do que naquelas que já aconteceram, e refletindo sobre nossa própria natureza, contentamo-nos com uma vida marcada pela necessidade e pela corrupção, como convém ao estado presente de existência, e firmemente esperamos a continuidade do ser na imortalidade.

E não recebemos essa esperança sem fundamento, baseando-nos em invenções humanas e alimentando-nos de falsos anseios; mas nossa crença repousa sobre uma garantia infalível: o propósito d’Aquele que nos formou. Pois Ele fez o homem com alma imortal e corpo, e o dotou de entendimento e de uma lei interior para preservar e guardar os dons concedidos, apropriados a uma vida racional e inteligente.

Sabemos bem que Ele não teria formado tal ser, provido de tudo o que se refere à perpetuidade, se não tivesse a intenção de que o que foi criado assim permanecesse para sempre.

Se, portanto, o Autor deste universo fez o homem para que participasse de uma vida inteligente, e para que, contemplando Sua grandeza e a sabedoria manifesta em todas as coisas, pudesse permanecer continuamente nessa contemplação, então, conforme o propósito do Criador e a natureza recebida, a causa de sua criação é garantia de sua perpetuidade.

E essa perpetuidade é, por sua vez, garantia da ressurreição, sem a qual o homem não poderia permanecer. Assim, pelo que foi dito, está claro que a ressurreição se demonstra pela causa da criação do homem e pelo propósito d’Aquele que o fez.

Sendo esta a natureza da causa pela qual o homem foi introduzido neste mundo, o passo seguinte será considerar aquilo que naturalmente se segue, ou na ordem que propusemos. E, em nossa investigação, à causa de sua criação segue-se a natureza dos homens assim criados, e à natureza deles, o justo julgamento de seu Criador conforme o tempo vivido e as regras que cada um observou, e, por fim, o término de sua existência.

Tendo, portanto, examinado o ponto colocado em primeiro lugar, devemos agora passar a considerar a natureza dos homens.

Capítulo 14 — A Ressurreição Não se Fundamenta Apenas no Fato de um Juízo Futuro

A prova de cada doutrina que compõe a verdade, ou de qualquer assunto proposto para exame, se pretende produzir confiança firme no que se afirma, deve começar não de algo exterior, nem do que alguns pensam ou pensaram, mas da noção comum e natural do assunto, ou da conexão das verdades secundárias com as primárias.

Pois a questão refere-se ou a crenças primárias — e então basta a recordação, para despertar a noção natural —, ou às coisas que naturalmente seguem das primeiras e à sua sequência natural.

Nisso devemos observar ordem: mostrar o que segue estritamente das primeiras verdades, ou daquilo que ocupa o primeiro lugar, para não perdermos de vista a verdade e a certeza a respeito dela, nem confundirmos o que a natureza dispôs e distinguiu, nem rompermos a ordem natural.

Por isso, penso que cabe àqueles que desejam tratar o assunto com justiça, e formar juízo inteligente sobre haver ou não ressurreição, primeiro considerar atentamente a força dos argumentos que contribuem para sua prova e o lugar de cada um: qual vem primeiro, qual em segundo, qual em terceiro e qual em último.

Na disposição deles, devem colocar em primeiro lugar a causa da criação do homem — ou seja, o propósito do Criador ao fazê-lo — e, depois disso, conforme convém, a natureza dos homens assim criados. Não que seja realmente segunda em importância, mas porque não podemos julgar as duas ao mesmo tempo, ainda que tenham a conexão natural mais estreita e igual força em relação ao tema.

Ora, embora desses argumentos — como os primeiros e derivados da própria obra da criação — a ressurreição se demonstre claramente, não menos podemos ganhar convicção a partir de argumentos tomados da providência, isto é, da recompensa ou do castigo devidos a cada homem conforme o justo julgamento, e do fim da existência humana.

Muitos, ao discutir a ressurreição, fundaram toda a causa apenas nesse terceiro argumento, considerando que o motivo da ressurreição é o juízo.

Mas o erro disso se mostra claramente pelo fato de que, embora todos os homens que morrem ressuscitem, nem todos os que ressuscitam serão julgados. Pois, se apenas o justo juízo fosse a causa da ressurreição, seguir-se-ia que aqueles que não fizeram nem o bem nem o mal — isto é, as crianças pequenas — não ressuscitariam.

Mas, visto que todos ressuscitarão, tanto os que morreram na infância como os demais, também eles confirmam nossa conclusão de que a ressurreição não se dá primariamente por causa do juízo, mas em consequência do propósito de Deus ao formar os homens e da natureza dos seres assim criados.

Capítulo 15 — Argumento a Favor da Ressurreição a Partir da Natureza do Homem

Embora a causa observada na criação do homem seja, por si só, suficiente para provar que a ressurreição segue naturalmente à dissolução dos corpos, talvez seja justo não evitar nenhum dos argumentos propostos, mas, conforme o que já foi dito, apontar àqueles que não conseguem discerni-los por si mesmos os fundamentos derivados de cada verdade originada das primeiras.

E, antes de tudo, a própria natureza dos homens criados nos conduz à mesma noção e possui igual força como prova da ressurreição. Pois, se a natureza inteira do homem é composta de uma alma imortal e de um corpo que lhe foi ajustado na criação; e se Deus não destinou nem à alma sozinha, nem ao corpo isoladamente, uma criação ou curso de existência como este, mas ao homem composto de ambos, a fim de que, tendo passado pela vida presente, chegasse a um mesmo fim comum com os mesmos elementos que o compuseram no nascimento e durante a vida, segue-se necessariamente que, sendo o homem um único ser vivo formado dos dois, experimentando o que a alma experimenta e o que o corpo experimenta, fazendo e realizando o que exige tanto o juízo dos sentidos como da razão, toda a sequência dessas coisas deve convergir para um único fim.

Assim, tudo em conjunto — criação, natureza, vida, ações e sofrimentos, curso de existência e o fim adequado à natureza do homem — deve concorrer em harmonia para uma única e mesma experiência.

Ora, se existe essa harmonia e comunidade de experiência pertencente ao ser humano como um todo, tanto das coisas que procedem da alma como das que se realizam por meio do corpo, o fim de todas essas também deve ser único.

E o fim será verdadeiramente um se o ser, cujo fim é esse, permanecer o mesmo em sua constituição. E o ser será exatamente o mesmo, se todas as partes que o compõem também forem as mesmas.

Ora, elas serão as mesmas na sua união peculiar, se as partes dissolvidas forem novamente reunidas para a constituição do ser.

Portanto, a reconstituição dos mesmos homens prova necessariamente que haverá ressurreição dos corpos mortos e dissolvidos. Pois, sem isso, nem as mesmas partes poderiam unir-se segundo a natureza, nem a natureza dos mesmos homens poderia ser restaurada.

Além disso, se o entendimento e a razão foram dados ao homem para discernir não apenas as coisas sensíveis, mas também a bondade, a sabedoria e a justiça de seu Autor, segue-se que, permanecendo os fins para os quais foi concedido o juízo racional, este também deve permanecer. Mas é impossível que permaneça, a não ser que continue a natureza que o recebeu e na qual subsiste.

E o que recebeu tanto entendimento como razão é o homem, não a alma isoladamente. Portanto, o homem, composto de ambas as partes, deve permanecer para sempre. Mas é impossível que permaneça sem ressuscitar. Pois, se não houvesse ressurreição, a natureza humana, como tal, não continuaria.

E se a natureza humana não subsistisse, em vão teria a alma sido ajustada às necessidades e experiências do corpo; em vão teria o corpo sido submetido ao freio da alma, desejando o que não pode alcançar senão guiado por ela; em vão o entendimento, em vão a sabedoria, a retidão, o exercício das virtudes, a instituição e execução das leis — em resumo, tudo o que é nobre no homem ou por causa do homem, ou mesmo a própria criação e natureza do homem.

Mas, se a vaidade está totalmente excluída das obras de Deus e de todos os dons que Ele concede, a conclusão é inevitável: assim como a alma é interminável, também haverá perpetuidade do corpo segundo sua natureza própria.

Capítulo 16 — Analogia Entre Morte e Sono, e Consequente Argumento a Favor da Ressurreição

E que ninguém estranhe que chamemos de vida a continuidade do ser interrompida pela morte e pela corrupção. Considere-se, antes, que a palavra vida não tem apenas um sentido, nem há apenas uma medida de duração, pois também a natureza das coisas que permanecem não é uma só.

Se cada ser que subsiste tem a sua duração conforme a sua natureza peculiar, nem mesmo no caso dos que são totalmente incorruptíveis e imortais encontraremos uma continuidade igual à nossa, porque a natureza dos seres superiores não se nivela à dos inferiores.

Tampouco nos homens convém procurar uma continuidade invariável e imutável; pois aqueles foram criados desde o princípio imortais, permanecendo para sempre pela simples vontade do Criador, ao passo que os homens, quanto à alma, têm desde a origem uma continuidade imutável, mas, quanto ao corpo, alcançam a imortalidade por meio de transformação.

Este é o sentido da doutrina da ressurreição. Olhando para isso, aguardamos a dissolução do corpo, consequência de uma vida de necessidade e corrupção, e, depois dela, esperamos uma continuidade na imortalidade.

Assim, não igualamos nossa morte à dos animais irracionais, nem a continuidade do homem à dos imortais, para que não coloquemos inadvertidamente a natureza e a vida humanas no mesmo nível de coisas que não são comparáveis a elas.

Portanto, não deve causar estranheza se houver certa desigualdade quanto à duração da vida dos homens; nem, porque a separação da alma dos membros do corpo e a dissolução das suas partes interrompe a continuidade da vida, devemos por isso desesperar da ressurreição.

Pois, ainda que o relaxamento dos sentidos e das forças físicas, que naturalmente ocorre no sono, pareça interromper a vida sensitiva quando os homens dormem em intervalos regulares e, por assim dizer, retornam novamente à vida, não deixamos de chamá-la vida.

E, por essa razão, alguns chamam o sono de “irmão da morte” — não por terem a mesma origem, mas porque mortos e adormecidos estão em condições semelhantes quanto à quietude e ausência de toda percepção do presente, do passado ou mesmo da própria existência.

Se, portanto, não deixamos de chamar de vida a vida dos homens cheia de desigualdades, do nascimento até a dissolução, e interrompida por todas essas coisas já mencionadas, também não devemos desesperar da vida que sucede à dissolução — a que envolve a ressurreição —, ainda que por algum tempo seja interrompida pela separação da alma do corpo.

Capítulo 17 — A Série de Mudanças que Agora Observamos no Homem Torna a Ressurreição Verossímil

Pois a natureza humana, à qual foi atribuída desde o princípio certa desigualdade segundo o propósito do Criador, tem uma vida e duração desiguais, interrompidas ora pelo sono, ora pela morte, e pelas mudanças de cada idade; enquanto as etapas que seguem a primeira não são claramente vistas de antemão.

Quem teria acreditado, sem a experiência, que no sêmen, ainda tenro e uniforme em todas as suas partes, estivessem depositadas tantas e tão grandes potências, ou massas, das quais surgem e se consolidam ossos, nervos, cartilagens, músculos, carne, vísceras e todas as demais partes do corpo?

Pois nem no sêmen ainda úmido se percebe algo disso; nem nos infantes aparecem as características próprias dos adultos; nem na idade adulta aparecem as próprias da velhice.

E, embora algumas dessas coisas que mencionei não se mostrem de modo algum, e outras apenas de forma tênue, ainda assim todos que não estão cegos por vício ou preguiça reconhecem a ordem natural: primeiro o depósito da semente; depois, sua completa organização em cada membro e parte, até que a descendência venha à luz; em seguida, o crescimento da primeira idade; depois, a maturidade; após a maturidade, o enfraquecimento das forças físicas até a velhice; e, finalmente, quando o corpo se consome, sua dissolução.

Assim como, nesse processo, embora nem a semente contenha visivelmente a forma ou a vida do homem, nem a vida contenha visivelmente a dissolução em elementos primários, a sucessão natural dos acontecimentos torna críveis coisas que, em si mesmas, não o seriam; muito mais a razão, seguindo a verdade pela ordem natural, dá fundamento sólido para crer na ressurreição, já que é mais segura e firme que a experiência para estabelecer a verdade.

Capítulo 18 — O Juízo Deve Ter Referência Tanto à Alma Como ao Corpo: Portanto, Haverá Ressurreição

Os argumentos que acabei de propor para exame, como fundamento da verdade da ressurreição, são todos do mesmo gênero, já que partem do mesmo princípio — a origem dos primeiros homens pela criação.

Alguns deles tiram a força diretamente desse princípio de onde se erguem; outros, consequentes da natureza e da vida do homem, recebem credibilidade da supervisão de Deus sobre nós. Pois a causa pela qual e em vista da qual os homens foram criados, estando intimamente ligada à sua natureza, deriva sua força da criação; mas o argumento da retidão, que apresenta Deus como juiz dos homens conforme viveram bem ou mal, deriva sua força do fim da existência. Eles vêm à existência pela primeira causa; mas sua condição depende mais da providência de Deus.

E agora que os pontos primeiros foram demonstrados, tanto quanto me foi possível, convém confirmar nossa tese também pelos argumentos posteriores — quero dizer, pela recompensa ou pelo castigo devidos a cada homem conforme o justo juízo, e pelo fim último da existência humana.

Destes, coloco em primeiro lugar aquele que é naturalmente anterior: o argumento relativo ao juízo. Mas devo antes estabelecer uma coisa, em respeito ao princípio que toca ao nosso tema e à ordem: é dever dos que admitem Deus como Criador do universo atribuir à Sua sabedoria e justiça a preservação e o cuidado de tudo o que foi criado, se desejam permanecer fiéis aos próprios princípios.

Com tal entendimento, devem sustentar que nada, seja na terra ou no céu, está sem governo ou providência; mas, ao contrário, que a atenção do Criador alcança todas as coisas, visíveis e invisíveis, grandes e pequenas. Pois tudo o que foi criado necessita da atenção do Criador, cada coisa segundo sua natureza e o fim para o qual foi feita. Contudo, julgo inútil aqui listar os casos em detalhe.

Quanto ao homem, de quem agora tratamos: como necessitado, precisa de alimento; como mortal, de posteridade; como racional, de juízo. Ora, se cada uma dessas coisas pertence ao homem por natureza — ele necessita de alimento para a vida, de posteridade para a continuidade da raça, e de juízo para que alimento e posteridade estejam de acordo com a lei —, segue-se, por consequência, que, assim como alimento e posteridade dizem respeito ao homem todo (isto é, composto de alma e corpo), também o juízo deve dizer respeito a ele como um todo. Assim, o homem se torna responsável por todas as suas ações, recebendo por elas recompensa ou castigo.

Ora, se o justo juízo atribui a ambos, alma e corpo, a retribuição pelas obras praticadas; e se não é adequado que apenas a alma receba o pagamento por obras cometidas em união com o corpo (pois sozinha não se inclina às faltas ligadas ao prazer ou às necessidades do corpo), nem que apenas o corpo o receba (pois por si não é capaz de discernir a lei e a justiça), mas sim o homem composto dos dois seja julgado por cada ato praticado; e se a razão constata que isso não ocorre nem nesta vida (pois a retribuição segundo o mérito não se cumpre aqui, já que muitos ímpios e praticantes de toda maldade vivem até o fim sem calamidade, enquanto, ao contrário, os que viveram exemplarmente em toda virtude vivem em dor, injúria, calúnia, ultraje e sofrimentos de toda espécie), nem após a morte (pois então alma e corpo já não existem juntos, a alma separada do corpo, e este dissolvido em seus elementos, sem conservar sua antiga estrutura ou forma, muito menos a lembrança de seus atos) —

O resultado disso tudo é claro para qualquer um: que, segundo a palavra do Apóstolo, “este corruptível deve revestir-se da incorruptibilidade” (1 Coríntios 15,53), para que, ressuscitados os mortos e reunidas as partes separadas e dissolvidas, cada um, em conformidade com a justiça, receba o que fez por meio do corpo, seja o bem, seja o mal.

Capítulo 19 — O Homem Estaria em Pior Condição que os Animais se Não Houvesse Ressurreição

Ao responder, portanto, àqueles que reconhecem a providência divina e admitem os mesmos princípios que nós, mas de algum modo se afastam de suas próprias concessões, pode-se usar os argumentos já expostos, e muitos mais, caso se queira ampliar o que foi dito de forma breve e sumária.

Mas, tratando com os que diferem de nós quanto às verdades primárias, será conveniente adotar outro princípio, anterior a esses, unindo-se a eles na dúvida sobre as coisas às quais suas opiniões se referem, e examinando a questão em comum: se a vida dos homens, e todo o seu curso de existência, é negligenciado, e uma espécie de densa escuridão é derramada sobre a terra, escondendo em ignorância e silêncio os próprios homens e suas ações; ou se é muito mais seguro pensar que o Criador vela pelas coisas que Ele mesmo fez, inspecionando todas as que existem ou vêm a existir, sendo Juiz tanto das obras como das intenções.

Pois, se nenhum juízo fosse aplicado às ações dos homens, estes não teriam nenhuma vantagem sobre os irracionais, mas antes estariam em pior condição. Pois, enquanto estes seguem seus instintos, os homens refreiam as paixões, dedicam-se à piedade, à justiça e às demais virtudes. Se não houvesse ressurreição, uma vida segundo o modelo das bestas seria a melhor; a virtude seria absurda; a ameaça de juízo seria motivo de riso; a entrega a todo tipo de prazer seria o sumo bem; e a máxima comum a todos seria aquela tão cara aos intemperantes e devassos: “Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos” (Isaías 22,13; cf. 1 Coríntios 15,32).

O fim de tal vida, porém, não seria nem mesmo o prazer, como alguns supõem, mas a insensibilidade total.

Mas se o Criador dos homens se ocupa de Suas obras, e se há distinção entre os que viveram bem e os que viveram mal, ela deve manifestar-se ou na vida presente, enquanto ainda vivem os que agiram com virtude ou vício, ou após a morte, quando os homens estão em estado de separação e dissolução.

Ora, em nenhuma dessas hipóteses se encontra um juízo justo: nem na vida presente, pois os bons não recebem as recompensas da virtude, nem os maus o castigo do vício; nem após a morte, pois o homem já não existe como unidade de corpo e alma.

Além disso, mesmo nesta vida, a natureza moral não pode suportar castigo proporcional às faltas mais numerosas ou graves. O ladrão, ou governante, ou tirano que matou injustamente miríades de homens não poderia, por uma só morte, reparar tais atos. O homem que nega a Deus, vive em blasfêmia, despreza as coisas divinas, transgride as leis, comete ultrajes contra jovens e mulheres, devasta cidades, incendeia casas com seus habitantes, arruína povos e até mesmo nações inteiras — como poderia, em um corpo mortal, sofrer pena proporcional a tais crimes, se a morte impede o castigo devido, e a natureza corruptível não é suficiente sequer para um de seus atos?

Conclui-se, portanto, que nem na vida presente há julgamento conforme o merecimento, nem tampouco após a morte.

Capítulo 20 — O Homem Deve Possuir Tanto Corpo Como Alma no Além, Para que o Juízo Seja Justo

Ou a morte é a extinção total da vida, a alma sendo dissolvida e corrompida junto com o corpo; ou a alma permanece por si, incapaz de dissolução, dispersão ou corrupção, enquanto o corpo se corrompe e se dissolve, sem conservar lembrança dos atos passados, nem consciência do que experimentou em união com a alma.

Se a vida do homem fosse totalmente extinta, seria evidente que não haveria cuidado algum para com os que não vivem, nem juízo sobre os que viveram na virtude ou no vício. Mas então retornaria a nós toda forma de vida sem lei, com o enxame de absurdos que dela decorrem, e o cume dessa impiedade: o ateísmo.

Mas se o corpo se corrompesse e suas partículas se dispersassem para os elementos correspondentes, permanecendo, porém, a alma imortal por si mesma, ainda assim não haveria julgamento sobre ela, pois faltaria equidade. É impensável que de Deus proceda um juízo sem equidade. Ora, seria injusto julgar se o ser que praticou a justiça ou a iniquidade não fosse preservado na existência. Pois foi o homem — não a alma isolada — quem praticou cada ação da vida sobre a qual recai o juízo.

Em resumo: esta visão, de modo algum, é compatível com a equidade.

Capítulo 21 — Continuação do Argumento

Pois, se as boas obras são recompensadas, o corpo certamente seria injustiçado, já que compartilhou com a alma os trabalhos do bem, mas não participa da recompensa; e, embora a alma muitas vezes seja desculpada de certas faltas pela necessidade e fragilidade do corpo, este, contudo, é privado de toda participação no bem que ajudou a realizar.

Por outro lado, se os pecados são julgados, a alma é tratada injustamente, se sozinha deve pagar a pena pelas culpas cometidas ao ser solicitada e arrastada pelo corpo a seus apetites e impulsos — ora sendo violentamente levada, ora atraída com força, ora até mesmo concordando em condescendência para sua conservação.

Como seria justo que a alma fosse julgada sozinha por coisas pelas quais, em sua própria natureza, não sente desejo, nem impulso, nem inclinação — como a luxúria, a violência, a avareza, a injustiça e os atos que delas procedem?

Pois se a maioria desses males provém do fato de os homens não dominarem as paixões que os solicitam, e tais paixões surgem da necessidade e fragilidade do corpo, e dos cuidados que ele exige (pois estas são as motivações para a aquisição de bens, para seu uso, para o matrimônio e para todas as ações da vida), como poderia ser justo que a alma sozinha fosse julgada por tais coisas, quando é o corpo que primeiro as sente e arrasta a alma à participação?

Se são os apetites e prazeres, medos e tristezas — nos quais o excesso é passível de juízo — que são movidos pelo corpo, como pode ser que os pecados e suas penas recaiam apenas sobre a alma, que de si não deseja, não teme, não sofre coisa alguma como o homem costuma sofrer?

E mesmo que se admita que tais paixões não pertençam só ao corpo, mas ao homem, falaríamos com acerto, já que a vida do homem é uma, composta das duas partes. Contudo, não se pode atribuí-las propriamente à alma, se olharmos simplesmente para sua natureza.

Pois, sendo absolutamente sem necessidade de alimento, a alma jamais pode desejar o que não requer para existir; nem pode ter impulso para coisas que não lhe convêm; nem pode entristecer-se pela falta de dinheiro ou bens, que não lhe dizem respeito.

Sendo superior à corrupção, nada teme como destrutivo para si mesma: não teme fome, nem doença, nem mutilação, nem ferida, nem fogo ou espada, pois não pode ser atingida por nenhuma dessas coisas.

Se, portanto, é absurdo atribuir à alma as paixões como se lhe fossem próprias, é em grau máximo injusto e indigno do juízo de Deus impor-lhe sozinha os pecados que delas procedem e os castigos consequentes.

Capítulo 22 — Continuação do Argumento

Além do que já foi dito, não é absurdo que, embora não possamos sequer conceber a virtude e o vício como existentes separadamente na alma (pois reconhecemos as virtudes como virtudes do homem, assim como, do mesmo modo, os vícios — seus opostos — não pertencem à alma isolada do corpo, existindo por si), ainda assim se atribua apenas à alma a recompensa ou o castigo por eles?

Como alguém poderia sequer formar a noção de coragem ou fortaleza existindo apenas na alma, se ela não teme a morte, nem ferimentos, nem mutilações, nem perdas, nem maus-tratos, nem as dores e sofrimentos deles decorrentes?

E o que dizer do domínio de si e da temperança, se nela não existe desejo que a arraste a alimentos, ao ato conjugal, ou a outros prazeres e gozos, nem coisa alguma que a solicite de dentro ou a excite de fora?

E quanto à prudência prática, se não lhe são propostos atos a realizar ou a evitar, nem coisas a escolher ou rejeitar, ou melhor, se nela não há qualquer movimento ou impulso natural para fazer algo?

E como, de algum modo, a equidade pode ser atributo de almas — seja em relação umas às outras, seja em relação a qualquer outra coisa, de igual ou diversa natureza — se não podem, de forma alguma, dar a cada um segundo o mérito ou segundo a justa proporção, exceto a honra devida a Deus?

E, além disso, se não possuem impulso ou movimento algum para usar o que é seu ou abster-se do alheio, já que o uso ou a abstenção das coisas que são segundo a natureza se consideram em referência àqueles que foram constituídos para usá-las; enquanto a alma não deseja nada, nem foi constituída para usar coisa alguma, de modo que o que chamamos ação independente das partes não pode de modo algum ser encontrado na alma assim constituída.

Capítulo 24 — Argumento para a Ressurreição a Partir do Fim Supremo do Homem

Tendo sido em parte examinados os pontos propostos para consideração, resta analisar o argumento do fim ou causa final, o qual, na verdade, já emergiu do que foi dito, e só requer a devida atenção e maior explicação para que não pareça que omitimos algum dos aspectos mencionados brevemente, e assim, indiretamente, prejudiquemos o assunto ou a divisão inicial dos tópicos.

Para benefício dos presentes, e de outros que possam dar atenção a esta questão, convém apenas assinalar que cada uma das coisas constituídas pela natureza, bem como aquelas produzidas pela arte, deve possuir um fim próprio, como nos ensina o senso comum de todos os homens, e como testemunham as coisas que vemos diante de nós.

Não vemos, por acaso, que os lavradores têm um fim, e os médicos outro? E novamente, que as coisas que brotam da terra têm um fim, e os animais que dela se alimentam e se produzem segundo certa ordem natural, outro?

Se isto é evidente, e se os poderes naturais e artificiais, e as ações que deles procedem, devem necessariamente ter um fim conforme sua natureza, segue-se que o fim do homem, sendo ele de natureza peculiar, deve ser separado do fim dos demais seres. Pois não é lícito supor o mesmo fim para os que carecem de juízo racional e para aqueles cujas ações são reguladas pela lei interior e pela razão, vivendo uma vida inteligente e observando a justiça.

Assim, a simples ausência de dor não pode ser o fim próprio do homem, pois isso ele teria em comum com os seres totalmente destituídos de sensibilidade. Tampouco pode consistir no gozo das coisas que alimentam ou deleitam o corpo, nem na abundância de prazeres; do contrário, a vida semelhante à dos brutos teria o primeiro lugar, e a vida regulada pela virtude ficaria sem causa final.

Um fim assim pertence, suponho eu, às bestas e ao gado, não ao homem dotado de alma imortal e de juízo racional.

Capítulo 25 — Continuação e Conclusão do Argumento

Tampouco é o fim a felicidade da alma separada do corpo. Pois não investigamos aqui o fim da vida de uma das partes que compõem o homem, mas sim do ser que é formado de ambas; e tal é todo homem que participa desta existência presente. Portanto, deve haver um fim apropriado para esta vida.

Se o fim pertence às duas partes em conjunto, e se este não pode ser descoberto nem na vida presente — pelas muitas razões já mencionadas —, nem no estado da alma separada, pois não se pode dizer que o homem exista quando o corpo está dissolvido e totalmente desfeito, ainda que a alma subsista por si mesma, então é absolutamente necessário que o fim da existência do homem se manifeste em alguma reconstituição de ambos em conjunto, do mesmo ser vivo.

Como isso se impõe por necessidade, segue-se que deve haver ressurreição dos corpos mortos ou mesmo totalmente dissolvidos, e que os mesmos homens devem ser novamente formados. Pois a lei da natureza determina o fim não de qualquer homem em absoluto, mas dos mesmos homens que passaram pela vida anterior; e é impossível que esses mesmos homens sejam reconstituídos sem que os mesmos corpos sejam restaurados às mesmas almas.

Ora, que a mesma alma receba novamente o mesmo corpo é impossível de qualquer outro modo, e só possível pela ressurreição. E se esta ocorre, segue-se também um fim digno da natureza do homem.

E não erraremos ao afirmar que a causa final da vida inteligente e do juízo racional é ocupar-se continuamente daquilo para o qual a razão natural é principalmente ordenada, e deleitar-se sem cessar na contemplação d’Aquele que É e de seus decretos.

Ainda que a maioria dos homens, excessiva e violentamente arrastados pelas coisas terrenas, passem a vida sem alcançar este fim, o grande número dos que falham em atingir o fim que lhes pertence não anula o destino comum. Pois o exame se refere aos indivíduos, e a recompensa ou castigo das vidas boas ou más é proporcionada ao mérito de cada um.

Capítulo 23 — Continuação do Argumento

Mas o mais irracional de tudo é isto: impor leis devidamente sancionadas aos homens e, em seguida, atribuir apenas às almas a recompensa pelos atos lícitos ou ilícitos.

Pois, se aquele que recebe as leis deve justamente receber também a retribuição pela transgressão delas, e se foi o homem quem recebeu as leis, e não a alma isolada, então também o homem deve suportar a retribuição pelos pecados cometidos, e não apenas a alma.

De fato, Deus não ordenou às almas que se abstivessem de coisas que em nada lhes dizem respeito — como o adultério, o homicídio, o furto, a rapina, a desonra aos pais e todo desejo que causa dano ou perda ao próximo.

Por exemplo, o mandamento “Honra teu pai e tua mãe” (Êxodo 20,12) não pode aplicar-se às almas isoladas, pois tais nomes não lhes convêm: as almas não geram almas, de modo a apropriar-se do título de pai ou mãe; mas homens geram homens.

Também o mandamento “Não cometerás adultério” (Êxodo 20,14) não poderia ser endereçado às almas, nem sequer pensado nesse contexto, já que nelas não existe a diferença de masculino e feminino, nem capacidade de união conjugal, nem desejo para isso. Onde não há desejo, não há união; onde não há união, não há matrimônio; e onde não há matrimônio, não pode haver desejo ilegítimo nem adultério.

Do mesmo modo, a proibição do furto ou da cobiça não se aplica às almas, pois elas não necessitam das coisas que, por indigência ou necessidade natural, levam os homens a roubar ou saquear — como ouro, prata, animais ou outros bens para alimento, abrigo ou uso. Para uma natureza imortal, tudo o que é considerado útil pelos necessitados é inútil.

Uma discussão mais detalhada sobre cada um desses pontos pode ser deixada aos que desejam investigá-los com maior rigor ou combater mais intensamente os opositores. Quanto a nós, o que já foi dito, e aquilo que com ele concorda para garantir a ressurreição, é suficiente.

Não seria oportuno prolongar-nos mais, pois nosso objetivo não foi dizer absolutamente tudo o que poderia ser dito, mas sim expor de modo sumário àqueles que aqui se reúnem o que se deve pensar sobre a ressurreição, adaptando os argumentos à capacidade dos ouvintes presentes.

Outras Obras do Autor

Navegação

Informações Adicionais

Conteúdo não revisado

Fonte

Tradução automática para o português, realizada com auxílio de ferramentas de tradução e inteligência artificial, baseada em Ante-Nicene Fathers, Vol. II: Fathers of the Second Century, editado por Alexander Roberts, D.D., e James Donaldson, LL.D., revisado e organizado por A. Cleveland Coxe, D.D. (New York: Christian Literature Publishing Co., 1885). Tradução original do A The Resurrection of the Dead por Benjamin Plummer Pratten. Publicado por Kelvin Mariano para o projeto Medalius.

Aviso

Aviso. Este texto pode conter erros ou imprecisões. Não há revisão contínua, mas ajustes poderão ser feitos futuramente caso sejam apontadas falhas. Se encontrar algum erro ou tiver sugestões, entre em contato.

Configurações de Leitura

Cores

Tamanhos

1.75rem
1.1rem

Ações

Produtos e Soluções

Conheça outras ferramentas e serviços.