
Papias de Hierápolis
Biografia
Contexto histórico e formação
Papias nasceu por volta do ano 60 d.C. na província romana da Frígia, numa região onde florescia uma comunidade cristã vibrante, centrada na cidade de Hierápolis (próxima a Laodicéia e Colossos). Essa comunidade mantinha contato direto com os apóstolos e com os primeiros presbíteros que haviam caminhado ao lado de Jesus. Segundo a tradição patrística, Papias foi “ouvinte de João” e companheiro de Policarpo, bispo de Esmirna, o que o coloca entre a primeira geração de discípulos apostólicos.
Sua formação foi essencialmente oral. Ele aprendeu das mãos de Aristion e de João, o presbítero, ambos descritos como “presbíteros que viveram com o Senhor” e que transmitiam a “voz viva” dos ensinamentos apostólicos. Papias valorizava esse testemunho direto, declarando que prefere aqueles que “ensinarem a verdade” ao invés de quem apenas fale muito.
Ministério episcopal
Por volta da metade do século II, Papias foi eleito bispo de Hierápolis. Seu pontificado coincidiu com o período em que a Igreja ainda se organizava em comunidades locais, antes da consolidação de uma hierarquia universal. Como bispo, ele se dedicou a preservar a memória dos apóstolos, a regulamentar a prática litúrgica da sua região e a escrever uma obra que reunisse os ditos do Senhor (Logia Kyriaka exegesis).
A obra de Papias
Papias escreveu cinco livros intitulados «Exposição das palavras do Senhor». O objetivo era compilar ditos, milagres e relatos dos apóstolos, bem como de testemunhas contemporâneas, em um formato que privilegiasse a tradição oral sobre a escrita. Ele mesmo afirma que sua obra “não se baseia em livros, mas na memória viva”.
Infelizmente, os livros completos não sobreviveram; só chegamos a eles por meio de fragmentos citados por Eusébio de Cesareia e por Ireneu de Lion. Os fragmentos que restam são preservados nos seguintes documentos:
- Fragmentos I – introdução e explicação metodológica;
- Fragmentos VI – relatos de milagres contemporâneos e a visão milenarista de um reino de mil anos para Cristo.
O que os fragmentos revelam
Origem dos Evangelhos
Papias relata que Mateus escreveu seu evangelho “em hebraico” e que Marcos escreveu “segundo a memória de Pedro”. Essa tradição patrística é crucial para a compreensão da autoria dos Evangelhos Sinópticos.
Tradição de João
Em um fragmento, Papias menciona João, “o teólogo”, como autor de um texto que “escreveu a verdade”. A passagem também fala da morte de João e de Tiago, embora a maioria dos estudiosos considere que o texto sofreu corrupção ou que se referia a João Batista.
Visão escatológica
Papias defendia que Cristo reinaria na terra por mil anos após a sua segunda vinda, uma posição que Eusébio descreve como “mente pequena”, mas que influenciou o pensamento escatológico de Ireneu e de outros Padres.
Milagres contemporâneos
O fragmento VI narra milagres ocorridos no seu tempo, como a ressurreição de um homem morto e a sobrevivência de um indivíduo que ingeriu veneno, demonstrando que Papias incluía relatos de eventos sobrenaturais que reforçavam a fé da comunidade.
Método e fontes
Papias divide suas fontes em três categorias:
- Apostólicos – relatos diretos de Pedro, João, Tiago, André e outros.
- Presbíteros – sobretudo Aristion e João, o presbítero, que transmitiam a tradição oral.
- Testemunhos de milagres – eventos sobrenaturais contemporâneos que confirmavam a veracidade da mensagem cristã.
Ele descreve seu trabalho como uma exposição das palavras do Senhor, buscando preservar a “voz viva” dos primeiros cristãos.
Importância para o estudo do Novo Testamento
A relevância de Papias reside em três pontos principais:
- Confirmação da autoria dos Evangelhos – sua afirmação sobre Mateus e Marcos fornece uma das primeiras evidências externas sobre a origem dos Evangelhos Sinópticos.
- Teste da transmissão oral – ao destacar a memória viva dos presbíteros, Papias ajuda a compreender como as tradições orais coexistiam com os escritos nos primeiros séculos da Igreja.
- Indicação da existência dos quatro Evangelhos – ao citar João e ao referir‑se ao “Evangelho de João”, Papias demonstra que, já no início do século II, os quatro evangelhos estavam em circulação e eram reconhecidos como Escritura.
Essas informações são citadas por Eusébio em sua História Eclesiástica (Livro III, cap. 39) e por Ireneu em Contra as Heresias, consolidando Papias como uma fonte primária para a historiografia cristã .
Controvérsias e avaliações críticas
Alguns fragmentos parecem gerar debates entre as pessoas que estudam:
- O relato sobre a morte de João, o teólogo, parece confuso; ao que parece o mais aceito é que houve correção textual ou que o texto original referia‑se a João Batista.
- O milenarismo de Papias foi criticado por Eusébio como uma “mente pequena”, mas a visão escatológica permaneceu influente entre alguns círculos patrísticos.
Além disso, a perda da obra completa impede uma avaliação total da teologia papiana, limitando nosso conhecimento ao que foi preservado em citações posteriores.
Legado patrístico
Papias é frequentemente chamado de “pai dos fragmentos” porque, apesar da destruição de seus livros, seus fragmentos permaneceram como testemunho direto da tradição apostólica. Eusébio os utilizou para reconstruir a história dos primeiros bispos e a transmissão da fé, enquanto Ireneu destacou Papias como ouvinte de João e como modelo de fidelidade à tradição oral.
Obras de Papias de Hierápolis
Nenhuma obra encontrada
Esta personalidade ainda não possui obras publicadas.