Cipriano de Cartago
Biografia
São Cipriano de Cartago
(Thaschus Cæcilius Cyprianus)
Bispo e mártir. Nada se sabe sobre a data de seu nascimento nem sobre sua vida inicial. No momento de sua conversão ao Cristianismo, talvez já tivesse passado da meia-idade. Era famoso como orador e advogado, possuía considerável riqueza e ocupava, sem dúvida, alta posição na metrópole da África. Sabemos, por seu diácono São Pôncio (cuja vida do santo se preservou), que seu porte era digno sem severidade e alegre sem expansividade. Seu dom de eloquência é evidente em seus escritos. Não foi pensador, filósofo ou teólogo, mas, de modo eminente, homem do mundo e administrador, de vastas energias e caráter forte e marcante.
Sua conversão deveu-se a um presbítero idoso chamado Caecilianus, com quem parece ter ido morar. Ao morrer, Caecilianus confiou a Cipriano o cuidado de sua esposa e família. Ainda como catecúmeno, o santo decidiu observar a castidade e doou a maior parte de suas rendas aos pobres. Vendeu seus bens, inclusive seus jardins em Cartago. Estes lhe foram restaurados (Dei indulgentiâ restituti, diz Pôncio), aparentemente recomprados por amigos; mas ele os venderia novamente, se a perseguição tornasse isso prudente. Seu batismo provavelmente ocorreu c. 246, presumivelmente na Vigília Pascal, 18 de abril.
O primeiro escrito cristão de Cipriano é Ad Donatum, um monólogo dirigido a um amigo, sentados sob uma pérgula coberta de videiras. Ele narra como, até que a graça de Deus iluminasse e fortalecesse o convertido, parecia impossível vencer o vício; retrata a decadência da sociedade romana — os jogos gladiatórios, o teatro, os tribunais injustos, a vazio do êxito político —; o único refúgio é a vida cristã temperante, estudiosa e orante. No início devem provavelmente ser colocadas algumas palavras de Donato a Cipriano, impressas por Hartel como carta espúria. O estilo desse opúsculo é afetado e lembra a ininteligibilidade bombástica de Pôncio. Não é como Tertuliano — brilhante, bárbaro, áspero —, mas reflete a preciosidade que Apuleio tornou moda na África. Nos demais escritos, Cipriano fala a um público cristão; seu próprio fervor tem campo livre, o estilo torna-se mais simples, embora vigoroso, e às vezes poético, para não dizer florido. Sem ser clássico, é correto para sua época, e as cadências das frases obedecem a rigoroso ritmo em seus textos mais cuidados. No conjunto, sua beleza de estilo raramente foi igualada entre os Padres latinos, e jamais superada senão pela energia e espírito incomparáveis de São Jerônimo.
Outro trabalho de seus primeiros tempos foi o Testimonia ad Quirinum, em dois livros. Consiste em passagens da Escritura organizadas por títulos, para ilustrar o passamento da Lei Antiga e seu cumprimento em Cristo. Um terceiro livro, acrescentado depois, contém textos sobre ética cristã. A obra tem máximo valor para a história da versão latina antiga da Bíblia: oferece um texto africano intimamente relacionado ao do manuscrito de Bobbio conhecido como k (Turim). A edição de Hartel tomou o texto de um manuscrito que apresenta versão revisada, mas o que Cipriano escreveu pode ser bem restaurado a partir do manuscrito citado nas notas de Hartel como L. Outro livro de excertos sobre martírio intitula-se Ad Fortunatum; seu texto não pode ser avaliado em nenhuma edição impressa. Cipriano era certamente ainda recente convertido quando se tornou Bispo de Cartago, c. 218 ou início de 249, mas passou por todas as ordens do ministério. Recusou o encargo, mas foi constrangido pelo povo. Uma minoria opôs-se à sua eleição, incluindo cinco presbíteros, que permaneceram seus inimigos; mas ele afirma ter sido validamente eleito “após o juízo divino, o voto do povo e o consentimento dos bispos”.
A perseguição de Décio
A prosperidade da Igreja durante trinta e oito anos de paz gerara grandes desordens. Muitos, até entre os bispos, entregaram-se ao mundanismo e ao ganho, e ouvem-se notícias de escândalos piores. Em outubro de 249, Décio tornou-se imperador, com a ambição de restaurar a antiga virtude de Roma. Em janeiro de 250, publicou um edito contra os cristãos: bispos deveriam ser executados; outros seriam punidos e torturados até renegarem. Em 20 de janeiro, o Papa Fabião foi martirizado e, por esse tempo, São Cipriano se retirou para um lugar seguro. Inimigos o reprovaram continuamente por isso. Mas permanecer em Cartago seria buscar a morte, pôr outros em risco e deixar a Igreja sem governo; eleger um novo bispo seria tão impossível quanto em Roma.
Cipriano destinou muitos bens ao presbítero confessor Rogaciano para os necessitados. Alguns clérigos caíram; outros fugiram; Cipriano suspendeu seus salários, pois seus ministérios eram necessários e estavam em menor perigo que o bispo. Do retiro, animou os confessores e escreveu panegíricos eloquentes dos mártires. Quinze logo morreram na prisão e um nas minas. Com a chegada do procônsul em abril, a severidade cresceu. São Mappalicus morreu gloriosamente no dia 17. Crianças foram torturadas, mulheres ultrajadas. Numidicus, que encorajara muitos, viu a esposa queimada viva; ele mesmo foi meio queimado, depois apedrejado e deixado como morto; a filha o encontrou vivo; recuperou-se e Cipriano o fez presbítero. Alguns, torturados duas vezes, foram soltos ou banidos, muitas vezes arruinados.
Havia, porém, outro lado. Em Roma, cristãos apavorados acorreram aos templos para sacrificar. Em Cartago, a maioria apostatou. Alguns não sacrificaram, mas compraram libelli (certificados de que o tinham feito). Outros compraram a isenção da família ao preço do próprio pecado. Desses libellatici havia vários milhares em Cartago. Dos caídos, alguns não se arrependeram, outros juntaram-se a hereges, mas a maioria clamava por perdão e restauração. Alguns, que haviam sacrificado sob tortura, voltaram para ser novamente torturados. Casto e Êmílio foram queimados por retraírem; outros exilados; tais casos, porém, eram raros. Poucos começaram a fazer penitência canônica.
O primeiro a sofrer em Roma fora um jovem cartaginês, Celerino. Ele sobreviveu, e Cipriano o fez leitor. Sua avó e dois tios foram mártires; mas as duas irmãs apostataram, temendo a tortura, e, no arrependimento, serviram os presos. O irmão insistiu muito pela reconciliação delas. Sua carta de Roma a Luciano, confessor em Cartago, conserva-se, com a resposta deste. Luciano obteve de um mártir chamado Paulo, antes de sua paixão, comissão para conceder paz a quem a pedisse, e distribuiu essas “indulgências” com fórmula vaga: “Que fulano, com sua família, comungue”. Tertuliano já mencionara, em 197, o “costume” de quem não estava em paz com a Igreja implorar essa paz aos mártires. Mais tarde, em sua fase montanista (c. 220), ele observa que os adúlteros — a quem o Papa Calisto estava pronto a perdoar após penitência — agora se restaurariam apenas implorando aos confessores e aos encarcerados nas minas. De modo correspondente, vemos Luciano emitindo perdões em nome de confessores ainda vivos — abuso manifesto. O heróico Mappalicus havia apenas intercedido por sua irmã e mãe. Parecia agora que nenhuma penitência seria exigida aos lapsos, e Cipriano escreveu para admoestar.
Enquanto isso, veio de Roma a notícia oficial da morte do Papa Fabião, acompanhada de uma carta anônima e agramatical a o clero de Cartago, de alguns clérigos romanos, censurando Cipriano por abandonar o rebanho e dando conselhos sobre o tratamento dos lapsos. Cipriano explicou sua conduta (Ep. xx) e enviou a Roma cópias de treze cartas que escrevera do esconderijo para Cartago. Os cinco presbíteros que o opunham admitiam imediatamente à comunhão todos os que traziam recomendações dos confessores, e os próprios confessores emitiram uma indulgência geral, pela qual os bispos deveriam restaurar à comunhão todos os que examinassem. Isso ofendia a disciplina; ainda assim, Cipriano estava pronto a atribuir algum valor a tais indulgências indevidamente concedidas, mas tudo deveria ser feito sob submissão ao bispo. Propôs que os libellatici fossem reconciliados in extremis por um presbítero ou mesmo por um diácono; os demais deveriam aguardar o fim da perseguição, quando concílios poderiam ser realizados em Roma e Cartago e se tomaria decisão comum. Importava respeitar o prerrogativa dos confessores; contudo, os lapsos não deviam ser postos em condição melhor que a dos que permaneceram firmes e foram torturados, empobrecidos ou exilados.
Os culpados ficaram atemorizados por prodígios ocorridos: um homem ficou mudo no próprio Capitólio onde negara Cristo; outro enlouqueceu nas termas, mordendo a língua que havia provado a vítima pagã. Na presença de Cipriano, um infante — levado pela ama para participar no altar pagão e depois à Santa Missa oferecida pelo bispo — contorceu-se em tormento e vomitou as Sagradas Espécies recebidas no cálice. Uma lapsa idosa caiu em convulsão ao ousar comungar indignamente. Outra, ao abrir o recipiente em que, segundo o costume, levava o Santíssimo para comunhão privada, foi dissuadida de tocá-lo sacrílegamente por um fogo que irrompeu. Outra ainda encontrou apenas cinzas dentro da píxide.
Por volta de setembro, Cipriano recebeu promessa de apoio de presbíteros romanos, em duas cartas escritas pelo célebre Novaciano em nome de seus colegas. No início de 251, a perseguição arrefeceu, por causa do aparecimento sucessivo de dois imperadores rivais. Os confessores foram libertados e convocou-se concílio em Cartago. Pela perfídia de alguns presbíteros, Cipriano não pôde sair do seu retiro até depois da Páscoa (23 de março). Mas enviou uma carta ao rebanho denunciando o mais infame dos cinco presbíteros, Novato, e seu diácono Felicíssimo (Ep. xliii). À ordem do bispo de adiar a reconciliação dos lapsos até o concílio, Felicíssimo respondeu com um manifesto, declarando que ninguém deveria comungar com ele se aceitasse as grandes esmolas distribuídas por ordem de Cipriano. O tema é desenvolvido no tratado De Ecclesiae Catholicae Unitate, que Cipriano escreveu por esse tempo (Benson errou ao supor que foi escrito contra Novaciano semanas depois).
Unidade da Igreja
O panfleto foi lido por Cipriano no concílio de abril, para obter apoio dos bispos contra o cisma iniciado por Felicíssimo e Novato, que tinham grande séquito. A unidade de que trata não é tanto a da Igreja inteira (cuja necessidade ele pressupõe), mas a unidade em cada diocese pela união com o bispo; a unidade da Igreja universal mantém-se pela estreita união dos bispos, “colados uns aos outros”. Logo, quem não está com seu bispo está cortado da unidade e não pode estar unido a Cristo. O tipo do bispo é São Pedro, o primeiro bispo.
Polemistas protestantes atribuíram a Cipriano o argumento de que Cristo disse a Pedro o que na verdade queria para todos, apenas para dar uma figura de unidade. Cipriano, porém, diz simplesmente que Cristo, na metáfora do edifício, funda sua Igreja sobre um único fundamento que manifesta e assegura sua unidade. E, assim como Pedro é o fundamento que vincula a Igreja inteira, o bispo o é em cada diocese. Com um só argumento, Cipriano corta a raiz de heresias e cismas. É equívoco ver aqui referência a Roma (De Unit., 4).
Cartas de Roma e a questão novaciana (251)
No início do concílio, chegaram duas cartas de Roma. Uma anunciava a eleição do Papa São Cornélio e foi lida por Cipriano à assembleia. A outra continha acusações tão violentas e inverossímeis contra o novo papa que ele preferiu ignorá-la. Dois bispos, Caldônio e Fortunato, foram enviados a Roma para maiores informações, e todo o concílio deveria aguardar o retorno — tal era a importância de uma eleição papal.
Nesse meio tempo, chegou a notícia de que Novaciano, o mais eminente entre o clero romano, fora feito papa. Felizmente, dois prelados africanos, Pompêu e Estêvão, que haviam assistido à eleição de Cornélio, chegaram também e puderam testemunhar que ele fora validamente colocado “no lugar de Pedro”, quando não havia outro pretendente. Assim se pôde responder às recriminações dos enviados de Novaciano, e foi enviada a Roma carta breve explicando as discussões do concílio.
Logo depois, veio o relatório de Caldônio e Fortunato, com carta de Cornélio, que se queixava um pouco do atraso em reconhecê-lo. Cipriano escreveu a Cornélio explicando sua prudência e anexou carta aos confessores — principal apoio do antipapa — deixando a Cornélio decidir se a entregaria ou não. Enviou ainda cópias de seus dois tratados, De Unitate e De Lapsis (composto logo após o primeiro), desejando que os confessores os lessem, para compreender quão terrível é o cismo.
É nesta cópia do De Unitate que Cipriano parece ter acrescentado à margem uma versão alternativa do capítulo IV.
Passagem original (como na maioria dos manuscritos; ed. Hartel)
Se alguém considerar isto, não há necessidade de tratado longo nem de argumentos. O Senhor diz a Pedro: “Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; a ti darei as chaves do Reino dos céus; tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu”. Sobre um Ele edifica sua Igreja; e, embora a todos os Apóstolos, após a ressurreição, dê igual poder e diga: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo: a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos”, quis, contudo, tornar manifesta a unidade, dispondo a origem dessa unidade, a partir de um. Os outros Apóstolos eram, de fato, o que Pedro era, participando igualmente de honra e poder; mas o princípio procede de um, para que a Igreja se mostre una. Essa única Igreja o Espírito Santo, na pessoa do Senhor, designa no Cântico dos Cânticos e diz: “Una é a minha pomba, minha perfeita; a única de sua mãe; a escolhida da que a gerou”. Quem não mantém essa unidade da Igreja, crê que mantém a Fé? Quem luta contra e resiste à Igreja, está confiante de que está na Igreja?
Passagem substituta (versão alternativa marginal)
… será ligado no céu. Sobre um Ele edifica sua Igreja, e ao mesmo Ele diz após a ressurreição: “apascenta minhas ovelhas”. E embora a todos os Apóstolos tenha dado igual poder, estabeleceu uma só cátedra e dispôs, por sua autoridade, a origem e a forma da unidade. Os outros Apóstolos eram, de fato, o que Pedro era, mas o primado é dado a Pedro, e a Igreja e a cátedra mostram-se uma. Todos são pastores, mas o rebanho é mostrado um, apacentado por todos os Apóstolos com um só coração e uma só mente. Quem não mantém essa unidade da Igreja, julga que mantém a fé? Quem abandona a Cátedra de Pedro, sobre a qual a Igreja é fundada, está seguro de que está na Igreja?
Essas duas versões aparecem em sequência na principal família de manuscritos que as contém; em outras famílias, foram parcial ou totalmente combinadas em um texto. Essa versão combinada (conflada) é a que foi impressa em muitas edições e teve papel grande na polêmica com protestantes — mas é, nessa forma, espúria. A versão alternativa acima, porém, figura em manuscritos dos sécs. VIII–IX, é citada por Beda, por Gregório Magno (em carta escrita para Pelágio II) e por São Gelásio; quase certamente era conhecida por São Jerônimo e Santo Optato no séc. IV. A evidência manuscrita indica data igualmente antiga. Cada expressão e ideia da passagem tem paralelos no vocabulário habitual de Cipriano; hoje se admite que essa versão alternativa é alteração feita pelo próprio autor ao remeter sua obra aos confessores romanos. A “uma só cátedra” é, em Cipriano, sempre a cátedra episcopal; ele salienta isso e acrescenta referência ao outro grande texto petrino, o encargo de João 21. A igualdade dos Apóstolos enquanto Apóstolos permanece; as supressões visam apenas a brevidade. A antiga tese de que se trata de forja romana é, em todo caso, insustentável.
Outro parágrafo também é modificado nos mesmos manuscritos com a “interpolação”: nele, o comportamento humilde e piedoso dos lapsos “deste lado” (hic) é contrastado, em longa série de paralelos, com o orgulho e a maldade dos cismáticos “daquele lado” (illic), mas, no tom delicado do tratado, estes apenas são aludidos de modo geral. Nos manuscritos “interpolados”, encontramos os lapsos — cuja causa já fora decidida pelo concílio — “daquele lado” (illic), ao passo que as referências aos cismáticos — os confessores romanos que apoiavam Novaciano, e a quem o livro estava sendo enviado — são tornadas o mais incisivas possível, trazidas ao primeiro plano pelo repetido hic (“deste lado”).
Novacianismo
A admoestação de Cipriano surtiu efeito, e os confessores se uniram a Cornélio. Por dois ou três meses, porém, a confusão em toda a Igreja Católica foi terrível. Nenhum outro fato dos primeiros tempos mostra tão claramente a enorme importância do papado no Oriente e no Ocidente. Santo Dionísio de Alexandria somou sua grande influência à do primaz cartaginês e, logo, pôde escrever que Antioquia, Cesareia e Jerusalém, Tiro e Laodiceia, toda a Cilícia e Capadócia, Síria e Arábia, Mesopotâmia, Ponto e Bitínia haviam voltado à união e seus bispos estavam concordes (Eusébio, Hist. Eccl., VII, v). Assim se mede a extensão do distúrbio.
Cipriano afirma que Novaciano “assumiu o primado” (Ep. lxix, 8) e enviou novos apóstolos a muitas cidades; onde, em todas as províncias e cidades, havia bispos ortodoxos, antigos e provados na perseguição, ousou criar outros para substituí-los, como se pudesse percorrer o mundo inteiro (Ep. lv, 24). Tal foi o poder que um antipapa do século III assumiu. Note-se que, nos primeiros dias do cisma, não se levantou questão de heresia; Novaciano só proclamou sua negação de perdão aos lapsos depois de fazer-se papa.
As razões de Cipriano para reconhecer Cornélio como verdadeiro bispo estão em Ep. lv, a um bispo que primeiro cedera aos argumentos de Cipriano e o encarregara de informar a Cornélio que “agora comungava com ele, isto é, com a Igreja Católica”, mas vacilou depois. Fica subentendido que, se não comungasse com Cornélio, estaria fora da Igreja Católica. Escrevendo ao papa, Cipriano desculpa o atraso em reconhecê-lo; ao menos exortara todos os que navegavam a Roma a certificar-se de que reconheciam e mantinham o útero e a raiz da Igreja Católica (Ep. xlviii, 3). Provavelmente significa “o útero e a raiz que é a Igreja Católica”; porém Harnack, muitos protestantes e também católicos veem aí a Igreja Romana como útero e raiz. Cipriano prossegue: esperara o relato formal dos bispos enviados a Roma, antes de comprometer todos os bispos da África, Numídia e Mauritânia, a fim de que, eliminada a dúvida, todos os colegas “aprovassem firmemente e mantivessem vossa comunhão, isto é, a unidade e a caridade da Igreja Católica”. Para São Cipriano, quem comunga com um antipapa não tem a raiz da Igreja, não é nutrido em seu seio, não bebe de sua fonte.
O rigorismo de Novaciano pouco explica a origem do cisma, pois seu principal partidário foi Novato, que, em Cartago, reconciliava os lapsos indistintamente, sem penitência. Ele parece ter chegado a Roma logo após a eleição de Cornélio; sua adesão ao partido rigorista teve o efeito curioso de desfazer a oposição a Cipriano em Cartago. Felicíssimo resistiu por algum tempo; chegou a angariar cinco bispos, todos excomungados e depostos, que consagraram para o grupo um certo Fortunato em oposição a São Cipriano — para não ficar atrás do partido novaciano, que já tinha um bispo rival em Cartago. A facção até apelou a São Cornélio, e Cipriano precisou relatar longamente ao papa os fatos, ridicularizando a presunção deles em “navegar a Roma, a Igreja primacial (ecclesia principalis), a Cátedra de Pedro, de onde a unidade do Episcopado teve origem, esquecidos de que estes são os romanos cuja fé foi louvada por São Paulo (Rm 1,8), à qual a infidelidade não tem acesso”. A embaixada fracassou, e o grupo de Fortunato e Felicíssimo dissolveu-se.
Os lapsos
O concílio decidiu que cada caso deveria ser julgado pelos méritos, e que os libellatici seriam reconciliados após tempos variáveis, porém longos, de penitência; já os que sacrificaram de fato poderiam, após penitência por toda a vida, comungar na hora da morte. Quem adiou a dor e a penitência até a doença deveria ser privado de toda Comunhão. A decisão foi severa.
Uma recrudescência da perseguição, anunciada (diz Cipriano) por muitas visões, levou a novo concílio no verão de 252 (Benson e Nelke; Ritschl e Harnack preferem 253). Decidiu-se restaurar imediatamente todos os que faziam penitência, para que fossem fortalecidos pela Sagrada Eucaristia. Nessa perseguição de Galo e Volusiano, a Igreja de Roma foi de novo provada; desta vez, Cipriano pôde parabenizar o papa pela firmeza: toda a Igreja de Roma “confessou unanimemente”, e sua fé, louvada pelo Apóstolo, foi celebrada de novo em todo o mundo (Ep. lx). Por volta de junho de 253, Cornélio foi exilado para Centumcellae (Civitavecchia) e morreu ali, sendo tido como mártir por Cipriano e pela Igreja. Seu sucessor, Lúcio, foi enviado ao mesmo lugar logo após a eleição, mas pôde voltar em breve; Cipriano o congratulou. Lúcio faleceu em 5 mar. 254, sendo sucedido por Estêvão em 12 mai. 254.
Rebatismo de hereges
Tertuliano já argumentara que hereges não têm o mesmo Deus nem o mesmo Cristo dos católicos; logo, seu batismo é nulo. A Igreja africana adotara essa visão em concílio sob Agripino, em Cartago. No Oriente, era também costume em Cilícia, Capadócia e Galácia rebatizar montanistas que voltavam à Igreja. Cipriano se expressa com vigor sobre o batismo dos hereges:
“Non abluuntur illic homines, sed potius sordidantur… Non Deo nativitas illa sed diabolo filios generat” (De Unit., xi).
O bispo Magnus perguntou se o batismo dos novacianos deveria ser respeitado (Ep. lxix). A resposta de Cipriano (provável 255) nega qualquer distinção entre novacianos e outros hereges. Depois, uma carta conciliar (c. primavera de 255; outono segundo d’Alès) de 31 bispos (Ep. lxx), aos 18 bispos da Numídia, parece iniciar a controvérsia. Bispos da Mauritânia não seguiam o costume da África Proconsular e da Numídia, e o Papa Estêvão lhes escreveu aprovando a tradição romana.
Consultado pelo bispo Quinto (Numídia), Cipriano lhe enviou a Ep. lxx e respondeu em Ep. lxxi. Na primavera de 256, um concílio maior em Cartago reuniu 61 bispos que assinaram carta ao papa, explicando os motivos do rebatismo e alegando ser questão livre entre bispos. Estêvão discordou e emitiu decreto peremptório: não se fizesse “inovação”; mantivesse-se em toda parte a tradição romana de impor as mãos aos hereges convertidos, como absolvição, sob pena de excomunhão. A carta, dirigida aos africanos, continha censuras a Cipriano.
Cipriano escreve a Jubainus que defende a única Igreja, fundada sobre Pedro — por que, então, é chamado prevaricador e traidor da verdade? (Ep. lxxiii, 11). Envia-lhe também Epp. lxx, lxxi, lxxii: não impõe leis a outros, mas retém sua liberdade. A Pompêu, que pedira o rescrito de Estêvão, escreve com veemência: ao aprovar o batismo de todas as heresias, amontoou sobre o próprio peito os pecados de todas — “que tradição! Que cegueira e depravação!”; fala em “ineptidão” e “dura obstinação” — palavras agudas de quem declarara ser a matéria opinável, e, na mesma carta, ensina que o bispo deve ser manso e ensinável.
Em setembro de 256, outro concílio, ainda maior, reuniu-se em Cartago. Todos concordaram com Cipriano; Estêvão não é mencionado; alguns supõem até que o concílio ocorreu antes de chegar a carta do papa. Cipriano não quis levar sozinho a responsabilidade: declarou que ninguém se faz “bispo dos bispos” e que todos deviam emitir sua opinião. Cada voto foi dado em breve discurso; as atas estão nas correspondências sob o título Sententiae Episcoporum. Os mensageiros enviados a Roma com o documento foram recusados e sem hospedagem; voltaram a Cartago. Cipriano buscou apoio no Oriente e escreveu ao célebre Firmiliano de Cesareia (Capadócia), enviando o De Unitate e o dossiê do batismo. Em meados de novembro, chegou a resposta (tradução africana coeva), de tom ainda mais veemente que o de Cipriano. Depois, nada mais sabemos da disputa.
Estêvão morreu em 27 ago. 257; sucedeu-o Sisto II, que certamente comunicou-se com Cipriano (Pôncio: “bispo bom e amante da paz”). Provavelmente, ao ver que o Oriente estava amplamente comprometido com a prática errônea, a questão foi silenciosamente abandonada em Roma. Lembre-se: embora Estêvão exigisse obediência, ele — como Cipriano — tratava o tema como disciplina. Cipriano fundou sua posição em inférencia inadequada da unidade da Igreja; ninguém, então, formulou o princípio que Santo Agostinho depois ensinaria: como Cristo é sempre o agente principal, a validade do sacramento é independente da indignidade do ministro — Ipse est qui baptizat. É isso que se pressupõe na insistência de Estêvão no nada além da forma correta (“porque o batismo é dado em nome de Cristo” e “o efeito se deve à majestade do Nome”). A imposição das mãos por Estêvão é dita repetidamente in poenitentiam; Cipriano, porém, argumenta que o dom do Espírito Santo pela imposição não é o novo nascimento, mas é posterior e o supõe. Daí alguns modernos suporem que Estêvão quis crisma/confirm (Duchesne) ou que Cipriano o entendeu assim (d’Alès). O trecho (Ep. lxxiv, 7), porém, não exige tal leitura; é improvável que confirmação estivesse em pauta. Cipriano parece considerar a imposição em penitência como dádiva do Espírito Santo.
No Oriente, o rebatismo talvez nasceu porque muitos hereges negavam a Trindade e nem usavam a forma/matéria corretas; a prática persistiu por séculos em certos casos. No Ocidente, rebatizar foi tido como herético, e a África se alinhar logo após Cipriano. Agostinho, Jerônimo e Vincente de Lérins louvaram a firmeza de Estêvão, condizente com seu ofício. Mas as cartas infelizes de Cipriano tornaram-se apoio do puritanismo donatista. Em De Baptismo, Agostinho as examina uma a uma; não se detém nas palavras duras (quae in Stephanum irritatus effudit), confiando que o glorioso martírio de Cipriano expiou seus excessos.
Apelos a Roma
Ep. lxviii foi escrita a Estêvão antes da ruptura. Cipriano ouvira duas vezes de Faustino, bispo de Lião, que Marcianus, bispo de Arles, aderira ao partido de Novaciano. O papa certamente já fora informado por Faustino e por outros bispos da província. Cipriano insta:
Deveis enviar cartas muito completas aos nossos co-bispos na Gália, para que o obstinado e soberbo Marcianus não continue a insultar nossa comunhão…
Enviai, portanto, cartas à província e ao povo de Arles, pelas quais, excomungado Marcianus, outro seja substituído em seu lugar…
Pois todo o copioso corpo de bispos está ligado pela cola da concórdia mútua e pelo vínculo da unidade, para que, se algum dos nossos tentar fazer heresia e dilacerar e devastar o rebanho de Cristo, os demais prestem auxílio…
Embora muitos pastores, um só rebanho pastoreamos.
É incontestável que Cipriano aqui explica ao papa por que interveio e atribui ao papa o poder de depôr Marcianus e ordenar nova eleição. (Note-se o testemunho de Cipriano de que Novaciano usurpara poder semelhante como antipapa.)
Outra carta, talvez um pouco posterior, emana de um concílio de trinta e sete bispos e foi claramente composta por Cipriano. É dirigida ao presbítero Félix e ao povo de Legio e Asturica, e ao diácono Ælius e ao povo de Emerita, na Espanha. Relata que os bispos Félix e Sabinus foram a Cartago queixar-se: haviam sido legitimamente ordenados pelos bispos da província, em lugar dos antigos bispos Basilides e Martialis, os quais haviam aceitado libelli na perseguição. Basilides, além disso, blasfemara a Deus na doença, confessara sua blasfêmia, renunciara voluntariamente ao episcopado e ficara grato por receber comunhão leiga. Martialis frequentara banquetes pagãos, sepultara os filhos em cemitério pagão e atestara publicamente diante do procurator ducenarius que negara Cristo. Conclui a carta: tais homens são indignos do episcopado; toda a Igreja e o defunto Papa Cornélio decidiram que podem ser admitidos à penitência, nunca à ordenação. Nada lhes aproveita terem enganado o Papa Estêvão, longe e alheio aos fatos, obtendo injusta restauração às sés; antes, com esse dolo, agravaram a culpa. Assim, a carta declara que Estêvão foi maliciosamente enganado. Não se lhe imputa culpa, nem se reivindica reverter sua decisão ou negar seu direito de dá-la; apenas se aponta que fundou-se em informação falsa, e por isso é nula. Contudo, é evidente que o concílio africano ouvira só um lado, ao passo que Félix e Sabinus devem ter defendido sua causa em Roma antes de irem à África. Nesse ponto, os africanos parecem ter julgado apressadamente. Nada mais se sabe do caso.
Martírio
O Império estava cercado por hordas bárbaras. O perigo foi o sinal para nova perseguição pelo imperador Valeriano. Em Alexandria, Santo Dionísio foi exilado. Em 30 de agosto de 257, Cipriano foi levado ao proconsul Paternos em seu secretarium. Seu interrogatório — parte inicial das Acta proconsularia do martírio — narra que Cipriano se declara cristão e bispo. Serve a um só Deus, a quem ora dia e noite por todos os homens e pela segurança do imperador.
Paternos: “Perseveras nisto?”
Cipriano: “A boa vontade que conhece a Deus não se altera.”
Paternos: “Podes ir ao exílio em Curubis?”
Cipriano: “Vou.”
Instado a nomear os presbíteros, responde que a delatio é proibida pelas leis; encontrá-los-ão em suas cidades. Em setembro foi a Curubis, com Pôncio. A cidade era solitária, mas — diz Pôncio — ensolarada e amena, com muitas visitas e cidadãos gentis. Na primeira noite, sonhou estar no tribunal do proconsul, condenado à morte, mas adiado a seu pedido até o dia seguinte. Acordou aterrado; depois, sereno, esperou esse dia, que chegou justamente no aniversário do sonho. Na Numídia, as medidas foram mais severas. Cipriano escreveu a nove bispos trabalhando nas minas, com metade do cabelo raspado, sem alimento e vestes suficientes; ainda rico, pôde ajudá-los. Suas respostas se conservam, bem como as Atas autênticas de vários mártires africanos logo após Cipriano.
Em agosto de 258, soube que o Papa Sisto fora morto nas catacumbas aos 6 daquele mês, com quatro diáconos, por novo edito que ordenava matar de imediato bispos, presbíteros e diáconos; senadores, cavaleiros e gente de posição perderiam os bens e, persistindo, morreriam; matronas seriam exiladas; cesarianos (oficiais do fisco) se tornariam escravos. Galério Máximo, sucessor de Paternos, mandou trazer Cipriano a Cartago; em seus próprios jardins, o bispo aguardou a sentença final. Muitos grandes o instaram a fugir; mas não teve nova visão que o orientasse e desejava, acima de tudo, permanecer para exortar. Escondeu-se, porém, recusando ir a Útica ao chamado do proconsul, pois dizia ser justo que um bispo morra em sua própria cidade.
De volta o proconsul a Cartago, Cipriano foi trazido de seus jardins por dois principes em carro; o proconsul, doente, não o recebeu, e Cipriano passou a noite na casa do primeiro princeps, com amigos. Pela manhã do dia 14, uma multidão reuniu-se na “villa de Sexto”, por ordem das autoridades. Julgado ali, recusou sacrificar e acrescentou que, neste tema, não cabia considerar consequências pessoais. O proconsul leu a condenação e a multidão clamou: “Sejamos degolados com ele!” Conduzido a um recanto do jardim, um vale cercado de árvores, em que muitos subiram para ver, Cipriano tirou o manto, ajoelhou e orou. Depois, retirou a dalmática e a entregou aos diáconos; ficou de túnica de linho, silencioso, à espera do executor, a quem ordenou dar vinte e cinco peças de ouro. Os irmãos estenderam panos e lenços para recolher o sangue. Vendou os próprios olhos com ajuda de um presbítero e de um diácono, ambos chamados Júlio. Assim padeceu. O corpo ficou exposto o resto do dia, para saciar a curiosidade dos pagãos. À noite, os irmãos o levaram, com velas e tochas, orações e grande triunfo, ao cemitério de Macróbio Candidiano, no subúrbio de Mapália. Foi o primeiro Bispo de Cartago a receber a coroa do martírio.
Escritos
A correspondência de Cipriano compreende oitenta e uma cartas: sessenta e duas suas; três, em nome de concílios. Delas emerge um vívido retrato de sua época. A primeira coletânea de seus escritos foi feita pouco antes ou logo após sua morte (já conhecida por Pôncio): dez tratados e sete cartas sobre martírio. Depois, na África, acrescentaram-se cartas sobre a questão do batismo; em Roma, ao que parece, a correspondência com Cornélio (exceto Ep. xlvii). Outras cartas foram sendo agregadas, inclusive a ele dirigidas ou a ele ligadas, suas coletas de Testimonia e muitos espúrios.
Aos tratados já citados, somam-se:
- Exposição do Pai-Nosso (bem conhecida);
- Sobre a simplicidade do traje próprio às virgens consagradas (ambos fundados em Tertuliano);
- “On the Mortality” (De Mortalitate): belo opúsculo escrito por ocasião da peste que atingiu Cartago em 252, quando Cipriano, com energia admirável, reuniu equipe e grande fundo para assistência aos enfermos e sepultamento dos mortos;
- “On Almsgiving” (De Eleemosynis): sobre o caráter cristão, a necessidade e o valor satisfatório da esmola — talvez, como nota Watson, em resposta à calúnia de que suas liberalidades seriam subornos;
- “Ad Demetrianum”: único escrito em tom pungente, refuta com vigor a acusação pagã de que o cristianismo trouxera a peste ao mundo;
- “On Patience” e “On Rivalry and Envy”: breves e muito lidos na Antiguidade, provavelmente da época da controvérsia batismal.
São Cipriano foi o primeiro grande escritor latino entre os cristãos: Tertuliano caíra na heresia, e seu estilo era áspero e opaco. Até Jerônimo e Agostinho, os escritos de Cipriano não tiveram rivais no Ocidente. Foram louvados por Prudêncio, e por Paciano, Jerônimo, Agostinho e muitos outros, que atestam sua extraordinária popularidade.
Doutrina
O pouco que se extrai de São Cipriano sobre a Santíssima Trindade e a Encarnação é correto à luz de padrões posteriores. Sobre a regeneração batismal, a Presença Real e o Sacrifício da Missa, sua fé é clara e repetida, sobretudo na Ep. lxiv (batismo de crianças) e na Ep. lxiii (cálice misturado), escrita contra o uso sacrílego de água sem vinho na Missa.
Quanto à penitência, afirma — como os antigos — que quem foi separado da Igreja pelo pecado só retorna por confissão humilde (exomologesis apud sacerdotes), seguida de remissão feita pelos sacerdotes (remissio facta per sacerdotes). O ministro ordinário é o sacerdos por excelência, o bispo; mas presbíteros a administram sob sua autoridade, e, em necessidade, um diácono podia reconciliar um lapsi. Ele não acrescenta — como hoje — que, nesse caso, não há sacramento; tais distinções não eram seu foco.
No Ocidente do século III não havia sequer início de direito canônico. Para Cipriano, cada bispo responde a Deus por seus atos, embora deva consultar clero e leigos em matérias importantes. O Bispo de Cartago tinha posição de chefe honorário dos bispos da África Proconsular, Numídia e Mauritânia (cerca de cem), sem jurisdição sobre eles. Reuniam-se em Cartago toda primavera, mas as decisões conciliares não eram vinculantes.
Se um bispo apostatasse, caísse em heresia ou escândalo, poderia ser deposto por seus comprovinciais ou pelo papa. Cipriano provavelmente supunha que questões de heresia seriam óbvias. Em matéria de disciplina interna, julgava que Roma não deveria interferir e que a uniformidade não era desejável — noção pouco prática.
Lembre-se: sua experiência cristã foi breve; tornou-se bispo logo após converter-se; não tinha, além da Escritura e de Tertuliano, outros escritos cristãos; não sabia grego e provavelmente desconhecia a tradução de Irineu. Roma era, para ele, o centro da unidade da Igreja, inacessível à heresia que por um século lhe batia às portas em vão; é a Sé de Pedro, tipo do bispo, primeiro dos Apóstolos. Divergências sobre o ocupante das sés de Arles ou Emerita não rompiam a comunhão; mas rivalidade em Roma dividiria a Igreja, e comungar com o errado seria cisma. Discute-se se a castidade era obrigatória ou apenas fortemente recomendada aos presbíteros; as virgens consagradas eram, para ele, a flor do rebanho, as jóias da Igreja, em meio à profligação pagã.
Espúrios (Spuria)
- Quod Idola dii non sint: impresso como de Cipriano; composto a partir de Tertuliano e Minúcio Félix. Benson, Monceaux, Bardenhewer aceitam; Jerônimo e Agostinho já o aceitavam. Haussleiter atribui a Novaciano; Harnack, Watson, von Soden rejeitam.
- De Spectaculis e De bono pudicitiae: com alguma probabilidade, de Novaciano; cartas bem escritas de um bispo ausente ao seu rebanho.
- De Laude martyrii: novamente atribuído por Harnack a Novaciano; não é consenso.
- Adversus Judaeos: talvez de um novacianista; Harnack atribui ao próprio Novaciano.
- Ad Novatianum: Harnack alega ser de Papa Sisto II; Ehrhard, Benson, Nelke, Weyman concordam, situando-a em Roma; Jülicher, Bardenhewer, Monceaux negam; Rombold defende Cipriano.
- De Rebaptismate: provavelmente de Ursino (romano, c. 400, segundo Genádio); seguido por Routh, Oudin, Zahn. Quase certo, porém, que foi escrito na controvérsia batismal sob Estêvão; de Roma (Harnack e outros) ou da Mauritânia (Ernst, Monceaux, d’Arles); contra a posição de Cipriano.
- De Aleatoribus: antes atribuído por Harnack a Papa Vítor (o que o faria o mais antigo escrito eclesiástico latino). Hoje: autor muito antigo ou não ortodoxo; improvável que seja muito antigo; Harnack admite: obra de um antipapa, novacianista ou donatista.
- De Montibus Sina et Sion: possivelmente anterior a Cipriano (cf. Harnack; Turner, Journal of Theol. Studies, jul. 1906).
- Ad Vigilium Episcopum de Judaica incredulitate: de um certo Celsus; Harnack e Zahn supuseram dirigida a Vigílio de Tapsus; Macholz convenceu Harnack de que data da perseguição de Valeriano ou de Maxêncio.
- Duas Orationes: data e autoria incertas.
- De Singularitate clericorum: atribuída por Dom Morin e Harnack ao donatista Macróbio (séc. IV).
- De Duplici Martyrio ad Fortunatum: sem manuscritos; aparentemente de Erasmo (1530).
- De Paschâ computus: escrita no ano anterior à Páscoa, 243.
- Exhortatio de paenitentia (Trombelli, 1751): colocada no séc. IV/V por Wunderer; Monceaux a situa no tempo de Cipriano.
- Quatro cartas (em Hartel): a primeira é o início original da Ad Donatum; as outras são falsas; a terceira, segundo Mercati, de um donatista do séc. IV.
- Seis poemas: de um único autor, data incerta.
- Cena Cypriani: presente em muitos manuscritos; data incerta; reeditada pelo Beato Rabano Mauro; usada em encenações medievais (cf. Mann, History of the Popes, II, 289).
Todos os itens acima se encontram na edição de Hartel.
Edições das obras
- Roma, 1471 (editio princeps, dedicada a Paulo II); reimpressões: Veneza, 1471 e 1483; Memmingen, c. 1477; Deventer, c. 1477; Paris, 1500.
- Rembolt (Paris, 1512); Erasmo (Basileia, 1520 e freq.; ed. 1544 impressa em Colônia).
- Latino Latini (ed. crítica; Manúcio, Roma, 1563); Morel (Paris, 1564); Pamele (Antuérpia, 1568); Rigault (Paris, 1648 etc.).
- John Fell (Oxford, 1682): usa manuscritos ingleses; importante pelas dissertações de Dodwell e os Annales Cyprianici de Pearson (ordem cronológica das cartas), embora com texto fraco.
- Baluze (póstuma por Dom Prudence Maran, Paris, 1726; reimpressa por Migne, P.L., IV–V).
- Melhor edição: C.S.E.L., vol. III (3 partes, Viena, 1868–1871), por Hartel, dos manuscritos. Depois disso, muitos estudos sobre a história do texto e a ordem das cartas/tratados (genealogia dos códices).
Lista esticométrica, manuscritos e ordem
- Lista esticométrica (prov. 354) dos Livros da Bíblia e de várias obras de São Cipriano: publicada em 1886 por Mommsen de um ms. de Cheltenham (Hermes XXI, 142); e 1890 (Hermes XXV, 636) de um ms. em S. Galo.
- Ver: Sanday & Turner, Studia Biblica (Oxford, 1891), III; Turner, Classical Review (1892), VI, 205.
- Sobre mss. de Oxford: Wordsworth, Old Latin Biblical Texts (Oxford, 1886), II, 123; de Madri: Schulz, Th. Lit. Zeitung (1897), p. 179.
- Outros mss.: Turner, Journal of Th. St. III, 282, 586, 579; Ramsay, ibid., III, 585; IV, 86.
- Ordem das peças: Chapman, ibid., IV, 103; von Soden, Die cyprianische Briefsammlung (Leipzig, 1904).
- Mercati, D’alcuni nuovi sussidi… (Roma, 1899) traz pontos interessantes.
Estudos e bibliografia
Vida de São Cipriano: Pearson, Annales Cyprianici (ed. Fell); Acta SS., 14 set.; Rettberg, Th. Caec. Cyprianus (Göttingen, 1831); Fréppel, Saint Cyprien et l’Église d’Afrique (Paris, 1865 etc.); Peters, Der hl. Cypr. v. Karth. (Ratisbona, 1877); Fechtrup, Der hl. Cyprian (Münster, 1878); Ritschl, Cyprian v. K. und die Verfassung der Kirche (Göttingen, 1885); Benson, Cyprian (Londres, 1897) — amplo e entusiástico, mas pouco confiável em controvérsias; Monceaux, Hist. litt. de l’Afrique chrét. (Paris, 1902), II; Bardenhewer, Gesch. der altkirchl. Lit. (Freiburg, 1903), II.
Cronologia das cartas: Hartel; correções por Ritschl, Nelke, von Soden, Benson, Monceaux (debates em Bardenhewer, Harnack).
Estudos específicos: Bonaccorsi (1905); Stufler (1907); Dwight (1907); d’Alès (1907).
Texto bíblico de Cipriano: Corssen (1899, 1892); Sanday (1886); Turner; Heidenreich (1900); Zahn (1891). Nova edição dos Testimonia esperada por Sanday e Turner (prolegômenos em JTS 1905, 1907). Interpolações: Ramsay (1901).
Latim e estilo: Watson, “The Style and Language of St. Cyprian” (Stud. Bibl., Oxford, 1896, IV); Bayard, Le Latin de Saint Cyprien (Paris, 1902). Cartas de Cornélio em latim vulgar (cf. Mercati); ed. Miodonski (Adversus Alcatores, 1889).
Interpolação no De Unitate Eccl.: Hartel (Prefácio); Benson; Chapman (Revue Bénéd. 1902–03); Harnack; Watson; outros.
Teologia de Cipriano: ver Götz, Das Christentum Cyprians (Giessen, 1896); Harnack, “Cyprian als Enthusiast” (1902); sobre a controvérsia batismal e (suposta) excomunhão: Grisar (1881), Hoensbroech (1891), Ernst; Poschmann (1907); Riou (1907).
Esta é apenas uma seleção da vasta literatura sobre Cipriano e os pseudo-ciprianos (ver Chevalier, Richardson; listas em von Soden, Harnack; referências em Bardenhewer).
Fonte
Tradução para o português realizada com auxílio de ferramentas de tradução e inteligência artificial, podendo incluir ajustes editoriais e adaptações de leitura. Baseado em The Catholic Encyclopedia, Volume 4, artigo St. Cyprian of Carthage, escrito por Henry Palmer Chapman, (New York: The Encyclopedia Press, Inc., 1913). Publicado por Kelvin Mariano para o projeto Medalius.
Links Relacionados
https://en.wikisource.org/wiki/Catholic_Encyclopedia_(1913)/St._Cyprian_of_Carthage
https://archive.org/details/V04CatholicEncyclopediaKOfC/
Obras de Cipriano de Cartago
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